Coluna Saber: tendências do mercado de trabalho no século 21

Ana Machado, mestranda em educação em Stanford, desconstrói mitos, propõe reflexões e deixa perguntas para que o público também repense conceitos

 

“Não existe a juventude brasileira. Existem diferentes juventudes, assim como existem diferentes forças de trabalho, diferentes tendências para diferentes mercados e diferentes formações profissionais”

Nesta coluna de estreia no caderno Trabalho & Formação Profissional, abordarei um dos temas centrais nas discussões sobre carreira em tempos contemporâneos: as tendências do mercado de trabalho, principalmente no que diz respeito às tecnologias digitais como substitutas da mão de obra humana. Esse assunto será ponto de partida para reflexões que proponho, porém, não trago respostas prontas nem tenho a pretensão de esgotar a temática de uma vez só. Desejo, sim, iniciar uma conversa que se estenderá por outras colunas neste espaço de troca e construção conjunta de conhecimento.

Dentro da complexidade do tema revolução digital e mercado de trabalho, discutirei duas abordagens principais: a primeira diz respeito à adaptação da força de trabalho; a segunda destrinchará o que termos tão corriqueiramente utilizados como “tendências”, “gerações” e “colaboradores” realmente significam para além do senso comum. Começaremos, então, pelo assunto que mais preocupa jovens profissionais, empregadores e pensadores da nossa era: o avanço das tecnologias digitais ocasionará o desemprego em massa?
Apesar do cenário apocalíptico que muitas vezes é apresentado nas discussões sobre o tema, estudos como o da consultoria McKinsey sobre o futuro do trabalho (Future of Work), que mapearam os impactos de novas tecnologias em diferentes indústrias, regiões do mundo e ocupações, mostram que, do mesmo modo que a tecnologia pode contribuir com o desaparecimento de algumas ocupações (ou reduzir muito o número de profissionais necessários para executar determinadas funções), as mudanças que podem surgir de seu uso também possibilitarão a criação de oportunidades para novos postos de trabalho.
Este cenário não é inédito na história da humanidade: as principais revoluções tecnológicas, como a descoberta do fogo, a invenção da roda, a prensa de Gutenberg, as máquinas a vapor da primeira Revolução Industrial e o petróleo da segunda Revolução Industrial, contribuíram para modificar de forma profunda não apenas o modo como trabalhamos, mas, também, a maneira como vivemos. Adaptações na forma como nos preparamos e atuamos profissionalmente podem ser necessárias, mas a ideia de que a tecnologia excluirá milhões de pessoas do mercado de trabalho é completamente enganosa.
Nós já temos, no Brasil, por exemplo, milhões de pessoas à margem do mercado de trabalho formal, não por causa do avanço tecnológico, mas pelas escolhas políticas, sociais e econômicas que fazemos como sociedade — ao votar, formular, implementar e avaliar políticas públicas, principalmente nas áreas de educação, economia e desenvolvimento regional. Atualmente, o Brasil tem cerca de 40% da população economicamente ativa atuando no mercado informal, somando mais de 38 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/Pnad 2019).

O peso das nossas escolhas

Portanto, a responsabilidade pela dificuldade que muitos trabalhadores encontram para acessar e permanecer em postos de trabalho formais não é da tecnologia, mas, sobretudo, de nossas decisões políticas. Fazemos uso de termos genéricos, como mercado de trabalho, profissionais do século 21 e gerações X, Y e Z, como se eles representassem um conjunto homogêneo de mudanças, organizações e pessoas. No entanto, o que chamamos de tendências de carreira não se manifestam da mesma maneira para todos os extratos da população brasileira, tendo efeitos, muitas vezes, completamente diferentes a depender da localização geográfica, classe social, gênero, raça e nível de escolaridade.
Quando falamos das tendências profissionais para os jovens, geralmente nos referimos a jovens brancos, de grandes centros urbanos, cursando o ensino superior, com acesso à internet no celular e possibilidade de fazer escolhas profissionais por afinidade e não necessidade. Esse grupo representa uma parcela pequena da juventude brasileira. O que sabemos sobre os jovens que não possuem uma trajetória linear composta por escola, faculdade, estágio e emprego com carteira assinada?
Neste espaço, eu sempre me referirei a termos usados para categorizar e nominar grandes grupos no plural, reconhecendo a sua diversidade e complexidade implícita. Não existe a juventude brasileira. Existem diferentes juventudes, assim como existem diferentes forças de trabalho, diferentes tendências para diferentes mercados e diferentes formações profissionais.
Gostaria de terminar deixando perguntas que podem auxiliar na compreensão da situação profissional dos meus leitores e leitoras, independentemente de suas características demográficas. Pergunte-se: quem sou eu no mercado de trabalho? Quais são as principais influências macro (políticas, tecnológicas, sociais e econômicas) que moldam a função que ocupo hoje ou que pretendo ocupar no futuro?  Escrevam compartilhando as suas reflexões, elas me ajudarão a conduzir nossas próximas conversas.

Leia mais

A cada primeiro domingo do mês, a Coluna Saber, de Ana Machado, abordará temas relacionados à educação e ao mercado de trabalho, sempre com base em conhecimentos científicos. Acompanhe o próximo quadro em 5 de julho. A estudiosa também publica coluna com foco em educação em geral no site Eu, Estudante.
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