Governador do Rio admite que saúde está em colapso

“São 15 pacientes, alguns em estado grave, e não tem médico para atender. Também não há lugar para pôr os corpos de quem morre de Covid-19, que acabam acumulados em salas e corredores.” O drama, relatado por um funcionário da UPA do Complexo do Maré, revela que, assim como as UTIs de grandes hospitais, essas unidades — portas de entrada da população no sistema de saúde na cidade — também estão em colapso. Ao site “O Antagonista”, o governador do Rio, Wilson Witzel, que se recupera da doença, admitiu ontem:

— Hoje do jeito que está, estamos em colapso.

A dificuldade de transferir os doentes para hospitais provoca um efeito cascata. Pouco depois das 14h de ontem, das 30 UPAs do Rio administradas pelo município ou pelo estado, 25 (83%) tinham suas salas vermelhas, equipadas para receber pacientes mais graves, completamente lotadas. Se considerados todos os leitos dessas UPAs, 16 delas (53%) já tinham atingido o limite ou extrapolado sua capacidade, com um total de 465 pessoas internadas.

— São, no entanto, unidades de curta permanência, e os pacientes precisam ser transferidos. O principal gargalo é que não há mais vagas disponíveis nos hospitais, o que causa esse colapso — diz o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, Alexandre Telles.

Só em Manguinhos, ontem à tarde, eram 17 leitos para 31 pacientes. Já na UPA da Maré, que é estadual, eram duas vagas na sala vermelha, ambas ocupadas. De acordo com profissionais de saúde, porém, pessoas com suspeita de coronavírus se espalhavam por praticamente todos os demais 13 leitos.

Na UPA do Complexo da Maré, havia, segunda-feira, cinco corpos em salas e corredores

Na UPA do Complexo da Maré, havia, segunda-feira, cinco corpos em salas e corredores Foto: Reprodução

Com tanta gente, uma das principais dificuldades tem sido espaço físico para isolar esses pacientes. Muitos morrem antes de saber o resultado dos exames para a doença. Situação que produz cenas como a de anteontem, quando havia cinco corpos em salas e corredores da unidade.

— Estamos com uma média de três óbitos por dia, de vítimas que moram na Maré ou em bairros próximos, como Ramos e Bonsucesso. Esses corpos ficam na UPA por até 36 horas, e as funerárias alegam que estão sobrecarregadas — afirma uma profissional de saúde.

Na UPA da Tijuca, também estadual, o motorista Pedro Bezerra Costa, de 63 anos, foi uma das vítimas da angústia que se abate sobre as unidades de pronto atendimento. Familiares e amigos o descrevem como gentil, brincalhão e de bem com a vida. No fim da madrugada de ontem, morreu sentado em uma cadeira, depois de três dias à espera de uma UTI.

Paciente chega de ambulância à UPA da Tijuca
Paciente chega de ambulância à UPA da Tijuca Foto: Fabiano Rocha / Extra

Com falta de ar e muita tosse, ele estava entubado, e os médicos pediam, sem sucesso, urgência na Central de Regulação de Vagas para que ele fosse transferido.

— Meu pai tinha todos os sintomas do cornavírus e estava com o pulmão comprometido — conta Flavia Bezerra, filha do motorista, que morava em Pilares. — Ele estava desde sábado numa sala de isolamento improvisada, à espera de uma transferência. Foi o último dia em que o vi. Meu pai era um homem honesto, trabalhador, uma pessoa muito querida. Agora, vamos sepultar sem sequer poder vê-lo — lamentou a filha de Pedro.

Técnica relata descaso antes de morrer

Há uma semana, a técnica de enfermagem Daniele Costa, que trabalhava na UPA de Austin, Nova Iguaçu, transmitiu um vídeo numa rede social contando como era estar com Covid-19 e pediu que as pessoas ficassem em isolamento. Para alguns amigos e parentes, foi o último contato com ela, que 4 dias depois foi internada no CTI do Hospital Zilda Arns, em Volta Redonda, e morreu na segunda-feira.

No vídeo, ela narrou como seu atendimento no Hospital Geral de Nova Iguaçu a incomodou. Daniele começou a ter sintomas em 14 de abril e foi ao hospital 2 dias depois. O médico que a recebeu estava há 12h sozinho no plantão e sem se alimentar. Após a tomografia, ela foi atendida por outro médico que nem a olhou nos olhos e a liberou em seguida: “Ele me mandou embora sem prescrever a medicação e dizendo que todos iriam pegar”.

A auxiliar administrativa Vanessa Cunha, que trabalhou com Daniele na UPA, lamentou a morte e o sofrimento da amiga:

— Ela estava indignada com a falta de respeito e indiferença dos profissionais. E ela sempre fez seu melhor. Nos plantões, cuidava com amor e respeito.

A Prefeitura de Nova Iguaçu lamentou a morte, disse que o Hospital de Nova Iguaçu vive um cenário atípico e que, quando Daniele esteve lá, não havia necessidade de internação.

Filha faz homenagem a pai morto

“Meu pai, eterno amigo, confidente, meu fechamento. Metade de mim se foi, mas prometo que toda minha vitória será dedicada inteiramente a você, meu irmão e minha mãe. Te amarei eternamente”. Foi com essa declaração nas redes sociais que a bióloga Marcela Mitidieri homenageou o pai, morto pela Covid-19 anteontem. Marcelo Mitidieri, de 48 anos, estava numa cadeira na UPA do Engenho de Dentro, aguardando respirador. Ele seria transferido, mas não deu tempo.

Marcela fez um desabafo: “Se tivessem entubado antes, talvez ele estivesse aqui agora. Não vou ficar pensando nisso, porque ele já se foi. Então, divulga, mostra o que tá acontecendo de verdade, que o sistema está em colapso”.

Em meio à situação emergência, Daniel Soranz, ex-secretário municipal de Saúde do Rio, diz não ver sentido que o Rio não tenha criado polos de atendimento para o coronavírus, que já tinham surtido efeitos positivos em epidemias anteriores, como a de H1N1, em 2009, e foram adotados por outros municípios fluminenses na atual emergência sanitária, a exemplo de Mesquita, Maricá e Teresópolis:

— O maior erro é espalhar pacientes da Covid-19 por todas as unidades de saúde.

Sem vaga, apesar dos esforços

A Secretaria estadual de Saúde, que administra a UPA da Tijuca, lamentou a morte do paciente Pedro Bezerra Costa. A pasta informa que ele foi atendido por uma equipe multidisciplinar com a finalidade de estabilizar o seu quadro de saúde, que apresentou piora. Por isso ele teve que ser isolado em setor de maior suporte. A SES diz que, apesar dos esforços da UPA, não conseguiu vaga para que ele fosse transferido a tempo.

Já a Secretaria municipal de Saúde reconhece que suas unidades têm registrado uma procura exponencial por atendimentos diante do avanço do vírus, reforçando o apelo para que as pessoas que podem fiquem em casa. Mas diz que, apesar do aumento da demanda, a rede pública tem conseguido colocar em prática mecanismos de resposta para situações de gravidade e garantido EPIs a seus profissionais.

“Os que lidam diretamente com os pacientes recebem kits de proteção durante o plantão para garantir sua segurança na assistência. Há luvas, máscaras, aventais, gorros e óculos sendo distribuídos. Um lote de 460 mil capotes já foi distribuído em toda a rede. Também foram adquiridas no mercado nacional 1,1 milhão de máscaras N-95 para os profissionais”, afirma em nota.

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