Dieta mediterrânea melhora a flora intestinal e protege o coração

Pesquisas mostram que a culinária mediterrânea aumenta a quantidade de bactérias intestinais ligadas a mecanismos benéficos para a terceira idade. Entre eles, a melhora de funções cerebrais, o atraso do declínio corporal e a proteção cardíaca

 

 

Na década de 1960, a cozinha tradicional dos povos mediterrâneos começou a chamar a atenção da comunidade médica. Pesquisas demonstraram que a mortalidade de pacientes com doenças coronarianas era menor, comparado ao restante da Europa e aos Estados Unidos, onde o estilo alimentar caracteriza-se pelo consumo elevado de carne vermelha, gorduras saturadas, laticínios e produtos industrializados. Mais tarde, constatou-se que a incidência de males como infarto e acidente vascular também era reduzida na Grécia e no sul da Itália, o que evidenciou a relação entre a chamada dieta mediterrânea e a proteção do coração.

Agora, cientistas estão descobrindo novos mecanismos pelos quais a culinária típica do Mediterrâneo promove a saúde. Na semana passada, dois estudos destacaram a relação entre o consumo de alimentos como vegetais, oleoginosas, azeite e frutos do mar e a proliferação de bactérias benéficas na microbiota intestinal. Nos últimos anos, aumentaram as pesquisas sobre a influência dos micro-organismos que habitam o estômago e os intestinos e a proteção contra diversas doenças, incluindo o câncer. Nessa linha, os artigos divulgados recentemente investigaram a composição da flora quando se adota o padrão alimentar dos povos mediterrâneos.

Um dos estudos, publicado na revista Gut e realizado em cinco países, demonstra que adotar a dieta por um ano aumenta as bactérias intestinais associadas ao envelhecimento saudável, enquanto reduz as relacionadas a inflamações prejudiciais em idosos. Segundo os autores, como o envelhecimento está associado à deterioração das funções orgânicas e ao aumento dos processos inflamatórios que precedem a fragilidade física, esse estilo alimentar pode ajudar a conter o avanço do declínio corporal e cognitivo na terceira idade.

Estudos anteriores sugerem que a dieta pobre ou restritiva — comum entre as pessoas idosas — reduz a variedade e os tipos de bactérias encontrados no intestino, ajudando a acelerar a fragilidade do corpo. Os cientistas da University College Cork, na Irlanda, queriam verificar se a dieta mediterrânea poderia manter o microbioma benéfico no trato gastrointestinal dos mais velhos e promover a retenção ou até a proliferação de bactérias ligadas ao envelhecimento saudável.

Eles analisaram o microbioma intestinal de 612 pessoas com idade entre 65 e 79 anos, antes e após 12 meses de ingerirem suas dietas habituais (289) ou de adotarem a dieta mediterrânea (323). Além de rica em frutas, legumes, nozes, azeite e peixes, a culinária mediterrânea inclui pouca carne vermelha e gorduras saturadas. O regime foi adaptado para idosos, destaca o artigo. Os participantes, que foram classificados de frágeis (28), à beira da fragilidade (151) ou não frágeis (433) no início do estudo, moravam em cinco países: França, Itália, Holanda, Polônia e Reino Unido.

Inflamações

A adesão à dieta mediterrânea por 12 meses foi associada a alterações benéficas no microbioma intestinal. Esse estilo alimentar conseguiu conter a perda de diversidade bacteriana, promoveu aumento nos tipos de bactérias anteriormente relacionados a vários indicadores de redução de fragilidade reduzida, como velocidade de caminhada e força manual, melhorou a função cerebral e reduziu a produção de substâncias inflamatórias potencialmente prejudiciais.

Análises mais detalhadas revelaram que as alterações do microbioma estavam associadas ao aumento de bactérias conhecidas por produzir ácidos graxos benéficos e à diminuição daquelas envolvidas na produção de ácidos biliares específicos, cuja superprodução está ligada a um risco aumentado de câncer de intestino, resistência à insulina, danos ao fígado e às células gordurosas. Além disso, os micro-organismos que proliferaram em resposta à dieta mediterrânea agiram como espécies-chave, o que significa que eram críticos para um ecossistema intestinal estável, expulsando os micróbios associados a indicadores de fragilidade.

Segundo os autores, as mudanças foram, em grande parte, impulsionadas por um aumento no consumo de fibras alimentares e de vitaminas e minerais, como C, B6, B9, cobre, potássio, ferro, manganês e magnésio. Porém, Paul O’Toole, principal pesquisador do estudo, diz que não é possível dizer exatamente como a dieta mediterrânea se relaciona com os resultados observados. “A interação entre dieta, microbioma e saúde do hospedeiro é um fenômeno complexo, influenciado por vários fatores”, justifica. “Enquanto os resultados desse estudo lançam luz sobre algumas das regras dessa interação de três vias, vários fatores como idade, índice de massa corporal, status da doença e padrões alimentares iniciais podem desempenhar um papel fundamental na determinação da extensão do sucesso dessas interações”, ressalta.

 

Duas perguntas para Daniela Louro, gastroenterologista da clínica Gastrocentro e doutoranda pela Universidade de Brasília (UnB)

O conhecimento da importância da microbiota do trato gastrointestinal para a saúde tem aumentado?

Sim, tem aumentado tanto o conhecimento sobre a microbiota quanto as pesquisas relacionadas aos fatores que influenciam a microbiota intestinal e sua relação com as doenças. Chamamos de microbiota intestinal a população de micro-organismos (bactérias, vírus e fungos) que habita o trato gastrointestinal. A principal função dessa microbiota é impedir a proliferação de micro-organismos patogênicos, mantendo o equilíbrio da flora intestinal. A disbiose é um desequilíbrio da microbiota intestinal, com a proliferação de bactérias patogênicas, que leva a um aumento da permeabilidade intestinal e, consequentemente, à entrada de produtos bacterianos e alimentares na circulação do sangue. Isso promove uma resposta inflamatória indesejada e ativação do sistema imunológico, o que pode estar relacionado ao aparecimento de doenças de origem autoimune e alérgicas, obesidade, esteatose hepática, síndrome do intestino irritável, câncer de intestino e ainda alterações no sistema nervoso central, como ansiedade e depressão.

 

Pelo que se sabe, hoje, que tipos de alimentos devem ser evitados e quais são aqueles mais benéficos para a microbiota?

Vários fatores contribuem para a constituição da microbiota intestinal, como o tipo de dieta do indivíduo, a genética, o uso frequente de medicamentos, como antibióticos, a prática de exercícios físicos, a idade, a presença de doenças crônicas, como diabetes, entre outros. Em relação à alimentação, sabemos que uma dieta saudável e rica em fibras é importante para manutenção do equilíbrio da microbiota intestinal. Além disso, a ingestão de prebióticos (fibras que favorecem o desenvolvimento de bactérias benéficas do intestino) e também de probióticos (micro-organismos vivos, como lactobacilos e bifidobactérias) auxiliam na manutenção do equilíbrio da microbiota.

 

Priorizar vegetais também ajuda

 

As descobertas da equipe do University College Cork vêm ao encontro de outro artigo publicado, há uma semana, no Journal of the American College of Cardiology. O estudo mostrou que reduzir a ingestão de produtos de origem animal e seguir uma dieta baseada principalmente em plantas pode diminuir a incidência de doenças cardíacas, minimizando os efeitos adversos de um microbioma intestinal associado ao aumento do risco de problemas coronarianos.

 

“Um metabólito relacionado à microbiota intestinal conhecido como N-óxido de trimetilamina (TMAO) é produzido quando as bactérias intestinais digerem os nutrientes comumente encontrados em produtos de origem animal, como carne vermelha”, explica Lu Qi, diretor do Centro de Pesquisa em Obesidade da Universidade de Tulane (EUA) e autor sênior do estudo.

 

A substância está associada ao aumento de infarto e de doença coronariana. Os autores analisaram dados de 760 mulheres no Estudo de Saúde das Enfermeiras, um estudo de corte de 121.701 enfermeiras norte-americanas, com idade entre 30 e 55 anos. As mulheres relataram informações sobre padrões alimentares, hábito de fumar e atividade física, entre outros, e forneceram duas amostras de sangue, com 10 anos de diferença. Os pesquisadores mediram as concentrações plasmáticas de TMAO desde a primeira coleta até a segunda.

 

O risco de doença coronariana foi calculado por alterações nos níveis de TMAO no organismo durante o período de acompanhamento. Como a produção dessa substância depende da ingestão de alimentos e nutrientes, os pesquisadores investigaram como a qualidade da dieta modifica a associação entre TMAO e doença coronariana.

 

As mulheres que desenvolveram problemas cardiológicos foram as com maiores concentrações do metabólito, índice de massa corporal (IMC) mais elevado e histórico familiar de ataque cardíaco. Além disso, não seguiram uma dieta saudável: ingeriam poucos vegetais e muitos produtos de origem animal. Essas participantes tiveram um risco 67% maior de doença coronariana.

 

“Nossos resultados mostram que a diminuição dos níveis de TMAO pode contribuir para reduzir o risco de doença coronariana e sugerem  que microbiomas sejam uma nova área a ser explorada na prevenção de doenças do coração”,  Lu Qi. Em um editorial que acompanhou o artigo, Paul A. Heidenreich, professor de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, afirmou que “os resultados devem nos encorajar a continuar defendendo a adoção mais ampla de padrões alimentares saudáveis”.

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