Moradores de rua: meu teto é o céu

Natan Juvêncio, pernambucano, 48 anos, metalúrgico de profissão, vendedor por opção, mora na Vila Guilherme, um dos mais agradáveis e bem localizados bairros de classe média da zona norte de São Paulo.

Divide seu espaço com o filho Thiago, de 21 anos, e Sansão, gato de movimentos calmos e pelo impecavelmente limpo, fofo e bem cuidado (assista filme sobre Juvêncio nesta reportagem). Vez por outra, Sansão recebe a visita do amigo Bolsonaro, gato malhado em preto e branco batizado por Juvêncio com o nome do presidente da República, cujo dono o próprio dono do pedaço desconhece.

Juvêncio gosta de cozinhar. Costuma receber a namorada após a jornada de trabalho de ambos, para jantar e curtir a noite. No final da tarde de visita da reportagem do R7 Estúdio, aromas atraentes escapavam das panelas com feijão e cozido de carne mexidas pelo chef do pedaço. A namorada, que segundo ele chegaria dali a pouco, deve ter jantado bem.

Natan Juvêncio mora na rua. Com Thiago e Sansão.

Mais exatamente numa barraca de lona montada na sombra do corredor de árvores que separa o Córrego Carandiru da Avenida Moysés Roysen, um dos acessos ao shopping Center Norte, onde o filho realiza trabalhos.

Separado, longe há dez anos da casa em que vivia com a ex-mulher em Mogi das Cruzes, sem qualquer dependência de cigarro, álcool ou droga, Natan engrossa, com o filho, uma legião de brasileiros turbinada a índices preocupantes nos últimos cinco anos, pelos efeitos da crise econômica: a de moradores e pessoas em situação de rua.

As várias motivações que levam um indivíduo a viver numa calçada, esquina, beira de córrego ou nos espaços hostis de pontes, viadutos e até cemitérios urbanos levaram os serviços públicos de assistência social a ampliar o conceito de morador da rua. Hoje, a definição adotada é a de pessoas em situação de rua, algo que engloba várias realidades.

Falta de opção

A primeira delas é a do morador de rua tradicional, que faz de teto o céu por quatro motivações básicas: desentendimentos com a família, conflito familiar motivado por dependência de droga, falta de dinheiro para custear espaço para viver e, em menor escala, opções pessoais em função de decisões e visões individuais de mundo.

A esses casos, somam-se aqueles em que a pessoa tem lugar para morar, mas sai de casa e passa longos períodos, às vezes semanas, dormindo nas ruas – sobretudo em cidades grandes e médias. Na quase totalidade dos casos, isso ocorre por falta dinheiro para se alimentar e pagar passagens diárias de ida e volta para casa.

Deixam seus lares em busca de emprego ou de trabalhos esporádicos e passam dias se alimentando graças a projetos sociais, doações de ONGs ou de particulares.

“Uso um pouco de droga e paro. E volto, e paro… Mas vou parar de vez, moço”

Luis Antônio Barbosa da Silva, 46 anos

Como Luis Antônio Barbosa da Silva, 46 anos, em situação de rua nos arredores do Mercado Municipal da Cantareira e freguês assíduo das quentinhas distribuídas gratuitamente há 30 anos no bonito trabalho da equipe dos paulistanos Kaká Ferreira e José Amato, da ONG Núcleo Assistencial Anjos da Noite.

A convite da ONG, a reportagem acompanhou uma distribuição, na madrugada de um sábado. “Uso um pouco de droga e paro. E volto, e paro… Mas vou parar de vez, moço”, prometeu Silva como se quisesse falar para ele próprio ouvir.

Há também o morador de outras localidades que desembarca num determinado lugar para passar um tempo e, por um motivo ou outro, fica sem recurso e opta pela vida na rua até decidir voltar à cidade natal.

Os dois últimos são casos típicos dos mais recentes moradores em situação de rua incorporados ao universo de tentativa de proteção. Na prática, suas necessidades ligadas à alimentação, saúde, proteção contra temperaturas altas e baixas e higiene são, do momento em que acordam ao que dormem, as mesmas de quem vive nos cantos de calçada sem teto ou alguém à espera em algum ponto. Por isso, a ação atualizada dos serviços sociais na área envolve todas essas situações.

Em 2018, os agentes sociais do município de São Paulo fizeram contato com 105,3 mil pessoas nas ruas da cidade, informa a página da Prefeitura na internet. Entre eles, 260 estrangeiros, nascidos em outras cidades paulistas e migrantes vindos principalmente da Bahia, de Minas Gerais, de Pernambuco e do Paraná. Um número 66% maior do que o de 2016 e 88% acima do total de 2015.

Desemprego estrutural

Os assistentes sociais notaram uma mudança importante em 2018. Os desentendimentos e enfrentamentos familiares, tradicionalmente os principais fatores de geração de pessoas em situação de rua, foram ultrapassados pelos efeitos da crise econômica e do alto desemprego, citados como as explicações mais frequentes pelas pessoas abordadas nas ruas da capital paulista.

“Questões econômicas, emocionais, familiares e individuais costumam se combinar nesses casos, mas fica claro que o aperto econômico dos últimos anos aumentou o volume e alterou o perfil majoritário de motivação das pessoas nas ruas. São Paulo é uma cidade caríssima e 60% das pessoas em situação de rua sequer completou o fundamental. Essa combinação, em um momento desses, diz muita coisa”, identifica a coordenadora de Políticas para a População em Situação de Rua do município de São Paulo, Giulia Patitucci.

Além do desemprego estrutural, ativo principalmente sobre indivíduos com extrema dificuldade para retornar ao mercado ou, quando voltam, conseguir vagas semelhantes às ocupadas no passado, Giulia destaca outros pontos negativos no cenário.

Próximo relatório está prometido para 2020 (Arte R7)

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