Mais da metade dos idosos do DF não consegue ter plano de saúde

Preço mínimo para um benefício básico, consultado pela ANS, compromete em 40% o orçamento de parte com menor renda no DF

 

Iraci Freitas (foto em destaque), 67, perdeu o marido, de 70 anos, nessa quinta-feira (07/11/2019). Sem plano de saúde, a família precisou buscar atendimento no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). “Quando chegou aqui, passaram horas até ser atendido, e não tinha o medicamento”, conta. “Sei que tinha como ele sobreviver”, acredita Iraci.

O idoso chegou a ter um plano de saúde por cinco anos, com a ajuda da filha, que trabalha nos Correios. No entanto o benefício foi cancelado. “Mesmo com o médico dando um documento, falando da condição do meu marido, eles não quiseram atender”, afirma Iraci. O marido tinha um problema no pulmão. Sem tempo, a família não conseguiu procurar uma outra solução a não ser o hospital público.

Situações semelhantes podem ser mais frequentes do que se imagina. Dos 303 mil idosos do Distrito Federal, 53,6% não possuem plano de saúde, de acordo com dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Assim, são obrigados a recorrer à rede pública de saúde ou arcar com os custos de um atendimento particular. São cerca de 162 mil idosos nesse cenário.

Quando a análise é feita por região administrativa, fica evidente a desigualdade em relação ao acesso a instituições privadas. No grupo de maior renda, 87,9% contam com plano de saúde. Já no grupo de menor renda, apenas 13,7% possuem assistência paga.

De acordo com Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em todo o país, são 7 milhões de beneficiários de planos de saúde com mais de 59 anos, até setembro deste ano. O número é maior que o registrado no mesmo período do ano passado – de 6,8 milhões. Em todo o país, considerando todas as faixas etárias, são 47,1 milhões de beneficiários.

Saúde frágil

O presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia no Distrito Federal (SBGG-DF), o médico Thiago Póvoa, acredita que o aumento de idosos que procuram por planos de saúde é uma questão demográfica, com o envelhecimento da população. A projeção da Secretaria de Economia do DF é que, em 40 anos, a população idosa do DF se aproxime do número de pessoas entre 30 e 59 anos – hoje, correspondente a 44% dos brasilienses.

O geriatra explica ainda que, a partir dos 65 anos, doenças associadas à velhice – como as crônicas, que precisam de tratamento continuado – começam a aparecer com maior frequência. Diabetes e hipertensão são duas delas.

O superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), José Cechin, chama atenção também para os exames e os tratamentos mais frequentes na terceira idade. Há ainda casos frequentes de multimorbidade, ou seja, a associação de várias doenças que trazem um impacto funcional ao paciente idoso. Esses fatores contribuem com o aumento do índice de hospitalização.

Altos valores

De acordo com o Grupo Brasileiro de Estudos sobre Multimorbidade (GBEM), da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a disfunção atinge, principalmente, pessoas idosas com piores condições econômicas. São aquelas que tendem a ter menos condições de acesso a um plano de saúde.

Os custos elevados podem motivar a desassistência. Segundo a pesquisa da Codeplan, a maior parte dos idosos do DF recebe menos que o custo para uma cobertura mais ampla, de R$ 2 mil – valor levantado pela ANS. Entre a população idosa de menor renda, 67,1% recebem R$ 1.295. Além disso, 23% não possuem aposentadoria ou emprego.

Segundo um relatório da ANS, no Distrito Federal, o custo de R$ 2 mil é referente a um plano de saúde individual com cobertura ambulatorial e hospitalar. Já o benefício mais simples, apenas hospitalar, custaria R$ 519. Mesmo optando por essa modalidade, o idoso que recebe R$ 1.295 comprometeria 40% da renda – ou seja, restaria apenas R$ 776 para arcar com os outros custos para o mês.

Ainda segundo o relatório da ANS, o preço máximo para idosos é quase seis vezes maior que o benefício pago para crianças e jovens de até 18 anos, de R$ 381,92, de acordo com os valores pesquisados pela ANS. A diferença entre o valor mínimo pago pela terceira idade e por crianças e adolescentes – R$ 97,82 – é semelhante.

Sem saída

Josias Petroceli, 66 anos, desembolsa R$ 1,5 mil para que ele e a esposa, 62, possam usufruir de um plano de saúde. O aposentado se vê sem saída. “Vai chegando a idade e você precisa fazer um check up, exame, e fica muito caro [pagar particular]. Ficar sem, não dá mais”, conta.

Faz cinco anos que Josias contratou o benefício. Antes disso, ele recorria à rede pública. “Teve época que era melhor. Hoje, você é atendido muito mal.” O aposentado acredita que o custo pago por um plano deveria ser menor. “Hoje em dia, a gente não ganha o suficiente para pagar um bom plano. Poucos, aqui no DF, têm condição de pagar”, afirma.

Quem contrata o plano precisa considerar ainda os reajustes. Josias reclama: “Era bem mais barato quando eu contratei”. A ANS informa que a prática por faixa etária é prevista porque, quanto mais avança a idade do beneficiário, mais necessários se tornam os cuidados com a saúde. E mais frequente é a utilização de serviços.

Os reajustes são determinados de acordo com a data de contratação do benefício, segundo as regras da ANS (confira abaixo). Os valores para beneficiários da terceira idade podem ser até seis vezes maior que o pago por jovens.

Mudança de hábitos

O presidente da SBGG-DF, Thiago Póvoa, conta que é possível, desde jovem, tomar atitudes que retardem o aparecimento de questões de saúde típicas da terceira idade. “Uma boa alimentação, manter atividades físicas regulares e conservar a mente produtiva são cruciais para garantir uma velhice mais saudável”, aponta o médico. “Manter um círculo social rico também contribui para a qualidade de vida no envelhecimento.”

No entanto Póvoa explica que os problemas de saúde ligados ao envelhecimento vão, eventualmente, chegar para todos. “O que a gente consegue, hoje em dia, com um bom cuidado de saúde, é afastar o período em que a doença chega, para além de 80 anos. Porém, vai chegar.”

Cechin acredita que essas mudanças podem contribuir com a busca por uma solução para prejuízos causados pelos altos custos dos planos de saúde e do atendimento de saúde público deficitário. Para ele, todos – entidades públicas e privadas, além da própria população – teriam responsabilidade nessa questão.

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