Google anuncia supremacia quântica; entenda o que muda agora na computação

Chegamos finalmente a um computador capaz de solucionar em segundos um problema que outras máquinas, mesmo as mais poderosas, demorariam milhares de anos para resolver. Estamos falando do computador quântico, que resolve problemões antes impossíveis, como a quebra da criptografia ou a compreensão de estruturas complexas, como moléculas. Estamos falando também do início da era da supremacia quântica, um novo capítulo na história da computação.

Os detalhes da pesquisa, publicados na revista científica “Nature”, serão anunciados nesta quarta-feira (23) pelo Google em Santa Bárbara, na Califórnia (EUA).

O que já sabemos é que a supremacia quântica foi atingida pelo Google em um teste bastante específico: o chip quântico da empresa, chamado de Sycamore, conseguiu desvendar em 200 segundos o segredo por trás de um gerador de números aleatórios, algo que o mais potente computador do mundo levaria 10 mil anos para fazer.

O supercomputador superado pelo Sycamore é o Summit, da IBM, o mais potente do mundo, capaz de 200 petaflops (algo como 200 quatrilhões de cálculos por segundo, ou seja, 10 seguido de 15 zeros).

Acelerando cálculos complexos

Os computadores quânticos são vistos como a aposta mais promissora do mundo da tecnologia, porque usam princípios da física quântica para executar grandes cálculos muito rapidamente.

Computadores como o que você tem em casa ou que grandes empresas têm em suas fábricas também são capazes de fazer operações complexas, a diferença é que eles levam tanto tempo que um humano não consegue viver para ver o resultado.

E, bem, isso inviabiliza certos processos. Na computação clássica, que rege do PC ao smartphones, a informação é guardada ou processada na forma de bit —representado por 0 ou 1, uma adaptação da física clássica que funciona bem para explicar a interação de corpos relativamente grandes, mas falha miseravelmente ao tratar de partículas subatômicas.

Quando o assunto são elétrons e fótons, a física quântica tem melhores ferramentas. Cientistas perceberam que usar conceitos desse ramo da física na computação melhora muito a transmissão de informação, porque partículas quânticas tem superpoderes.

Funciona assim: um bit quântico (ou qubits) pode ser 0 e 1 ao mesmo tempo, graças a um fenômeno chamado superposição. Outra particularidade é o emaranhamento ou entrelaçamento, que faz uma partícula responder às mudanças de outra, mesmo que estejam separadas por enormes distâncias.

Graças a tudo isso, qubits podem chegar a um resultado muito mais rápido que um bit convencional, porque analisam diversas hipóteses ao mesmo tempo. Enquanto dois bits avaliam uma combinação de cada vez (0 e 0, por exemplo), uma dupla de qubits analisa quatro pares de informação simultaneamente (0 e 0, 0 e 1, 1 e 0, 1 e 1).

Poderoso, porém instável

O problema é que as máquinas quânticas são tremendamente instáveis. Quanto mais qubits juntos, mais imprevisíveis eles são. Por isso, até agora, não havia nada que um computador quântico fizesse que um computador clássico não pudesse reproduzir. Até agora.

Então, o grande feito aqui foi que os pesquisadores conseguiram contornar a fragilidade dos 53 qubits contidos no chip quântico do Google, de modo que essas partículas muito pequenas não causassem qualquer perturbação capaz de desalinhar o sistema (e, consequentemente, torna-lo inútil).

Para driblar esse inconveniente, computadores quânticos desenvolvidos por Google, IBM e outras empresas usam supercondutores que operam a baixíssimas temperaturas (perto do -273ºC, o zero absoluto). O Google adicionou ainda um design para o Sycamore capaz de diminuir drasticamente a incidência de erros.

“Nós atingimos essa perfomance usando um novo tipo de botão de controle que pode desligar as interações entre qubits vizinhos”, afirmaram John Martinis, cientista-chefe da divisão de hardware da Google AI Quantum, e Sergio Boixo, cientista-chefe de computação teórica quântica, em nota conjunta.

Com a primeira computação quântica que não pode ser emulada razoavelmente em um computador clássico, nós abrimos um novo domínio da computação a ser explorado John Martinis e Sergio Boixo.

Além dos pesquisadores da Google AI Quantum, participaram do estudo diversos acadêmicos da Universidade da Califórnia (Caltech). O artigo descrevendo a experiência chegou a ser publicado no site da Nasa no começo do mês, mas foi tirado do ar porque a empresa queria enviá-lo a uma revista científica para ser revisado por pares.

Empolgação x ceticismo

A novidade foi encarada com um misto de empolgação e ceticismo na comunidade científica.

Para Bárbara Amaral, pesquisadora do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), a descoberta comprova que os computadores quânticos são viáveis e capazes de superar adversários invejáveis. Mas, “como os computadores clássicos são muito poderosos e os computadores quânticos ainda são bastante rudimentares, é um desafio construir um dispositivo quântico que faça algo que um supercomputador clássico não seja capaz de fazer”, disse.

“Essa é a primeira vez que algo que podemos chamar mesmo de computador quântico parece superar os computadores clássicos. Atingir a supremacia quântica é um marco, e indica que computadores quânticos — muito mais velozes que os clássicos— são possíveis”, afirmou Fernando Melo, pesquisado do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).

Até o cientista que cunhou o termo “supremacia quântica”, o físico teórico da Caltech John Preskill, parabenizou o grupo. “Essa é uma conquista notável na física experimental e um testemunho do ritmo acelerado do progresso no hardware de computação quântica. Apresento meus sinceros parabéns a todos os envolvidos”, afirmou em texto publicado na “Quanta Magazine”.

Há, no entanto, quem considere que há muito barulho por nada. Cientistas da IBM contestaram frontalmente os resultados atingidos pelo Google. Primeiro foi Dario Gil, diretor da área de pesquisa da empresa. Ele afirmou que chamar de supremacia quântica o feito de um computador criado com um propósito específico era errado.

Um trio de pesquisadores da companhia, incluindo Jay Gambetta, vice-presidente de computação quântica da IBM, publicou um artigo apontando aspectos dos computadores clássicos que o Google parece ter ignorado. Se eles tivessem sido considerados, dizem os três, o tempo de cálculo cairia de 10 mil anos para dois dias e meio.

O experimento do Google é uma excelente demonstração do progresso da computação quântica baseada em supercondutores, mostrando a fidelidade de uma porta de última geração em um dispositivo de 53 qubit, mas não deve ser visto como prova de que os computadores quânticos são ‘supremos’ em relação aos computadores clássicos Jay Gambetta, Edwin Pednault e John Gunnels, IBM.

Os três dizem dizem que os quânticos nunca terão domínio supremo sobre os clássicos, porque cada qual possui forças únicas. Eles pedem ainda que a comunidade científica receba com “boa dose de ceticismo” a alegação de que um computador quântico fez algo que um computador clássico não pode.

Futuro quântico

Ainda assim, a supremacia quântica reforça as esperanças de que os qubits possam ajudar a ciência a avançar por áreas ainda turvas. Amaral, do IF-USP, cita como exemplo a simulação do comportamento de moléculas, o desenvolvimento de inteligências artificiais mais precisas e o entendimento de sistemas quânticos, ou seja, de partículas subatômicas.

“A supremacia é uma prova de princípio importante e nos deixa mais esperançosos de que realmente seja possível chegar lá um dia”, diz, para acrescentar que ainda há trabalho a ser feito. “Precisaríamos de um computador com dezenas de milhares de bits quânticos e correção de erros, enquanto esses que temos agora tem menos de 100 bits quânticos e não fazem nenhuma correção de erros.”

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