Gangues matam, praticam roubos e traficam em cidades do Distrito Federal

Grupos de criminosos dominam territórios de regiões administrativas afastadas do Plano Piloto. Tráfico de drogas, roubos e assassinatos são alguns dos crimes cometidos pelos bandos, geralmente formados por adolescentes

 

Com Muros pichados revelam a presença de gangues em regiões administrativas afastadas do Plano Piloto. Ameaças, demarcação de território e regras ficam expostas com caracteres quase indecifráveis. Por trás disso, a disputa entre grupos rivais coloca em cheque a segurança dos moradores. À sombra da violência, comerciantes usam grades nos comércios e poucos moradores se arriscam a sair de casa à noite. Enquanto isso, a Polícia Civil monitora esses grupos para impedir o crescimento deles e, consequentemente, a formação de facções criminosas.
Na Expansão do Setor O, em Ceilândia, pelo menos três quadras são dominadas pelas gangues. Na maioria das ruas, há pichações reivindicando os territórios. “Exp (Expansão) 18 é o crime” está escrito na parede de uma escola da região. Na QNO 18, a aproximação do carro da reportagem causa receio. “Aqui, é preciso tomar cuidado. Se escutarem a gente falando sobre gangues, pode dar problema. Alguns bandidos moram nessa rua, e o meu conselho é evitar entrevistas sobre esse assunto”, alerta um homem de 55 anos, que terá a identidade preservada.
Nascido na Bahia, ele contou que abandonou Ceilândia por causa da violência. Voltou para a terra natal. “Vim visitar alguns familiares. Morei aqui 19 anos e vejo que esse ciclo de criminalidade não vai acabar. Sofri incontáveis assaltos, cansei e fui embora”, relata o homem, que passava alguns dias com a família. De acordo com ele, roubos e até assassinatos são comuns na cidade, porém, o tráfico de entorpecentes é frequente. “À noite, sempre tem um jovem de bicicleta ou nas esquinas vendendo drogas”, denuncia. Em 2018, nessa mesma quadra, Maria Eduarda, 5 anos, morreu com um tiro dentro de casa ocasionado por essa disputa.
Em Santa Maria, a situação é semelhante. O perímetro entre as quadras 204, 205, 206 e 207 é conhecido como Faixa de gaza. Moradores se queixam dos assaltos e do tráfico. Os muros da cidade também são pichados e, em alguns, há regras: “Proibido roubar na quebrada”. A pichação é assinada por F6 e 206, em referência à quadra. Assustadas, as pessoas que vivem na região também têm medo ao conversar com a reportagem.  “De dia, é Santa Maria e, à noite, Ave, Maria”, conta uma mulher de 49 anos, que não quis se identificar. Moradora da cidade há 30 anos, ressaltou que viu a cidade crescer, assim como a criminalidade. “Vivemos anos mais perigosos, mas não posso dizer que hoje está bom. A gente sempre escuta história de que alguém sofreu um assalto ou de um corpo encontrado. Ainda vivemos com medo”, desabafa.

Combate

A Polícia Civil monitora a ação das gangues pelas delegacias circunscricionais, porém, quando identifica atuação de facções criminosas, o acompanhamento é feito pelas divisões de Repressão ao Crime Organizado (Draco) e de Repressão a Facções Criminosas (Difac), ambas da Coordenação de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Cecor). Entretanto, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) não tem levantamento de quantos desses grupos existem no Distrito Federal.
“Definimos gangues como grupos menores e regionalizados, concentrados nas regiões administrativas, geralmente em quadras ou bairros. O objetivo delas é manter um domínio territorial naquele espaço, para evitar que outros criminosos invadam os próprios pontos”, explica o delegado Guilherme Souza Melo, diretor da Difac. De acordo com o investigador, quando elas evoluem para facções, começam a ampliar a atuação para outras regiões.
O delegado reforça que o trabalho da corporação é preventivo para evitar ocupação de gangues e facções no território da capital. “Os grupos organizados, principalmente enxergam o poder aquisitivo elevado do DF. A posição territorial também é um atrativo, porque a região fica no centro do país, o que facilita a distribuição de drogas”, destaca. Sobre as gangues, ele ressalta que o fenômeno surgiu nos anos 1980, mas que diminuiu consideravelmente. “As delegacias têm noção da presença delas, mas fazem atividades pontuais para conter esse crescimento”, diz Guilherme.
Segundo o secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, a repressão de gangues e facções é prioridade absoluta. “Sabemos que esses grupos fomentam grande parte dos crimes violentos ocorridos hoje em todo o Brasil”, afirma. De acordo com ele, diversas operações foram feitas para desarticular e prender integrantes de organizações e que as forças de segurança continuam no monitoramento dos casos.

Problema estrutural 

Para a Polícia Civil, muitos integrantes de gangues começam a ingressar nesses grupos na adolescência. Questionado sobre políticas públicas que poderiam evitar que jovens se interessem pela criminalidade, o Governo do Distrito Federal (GDF) ressalta que a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) atua no combate a esse tipo de cultura por meio dos Centros de Convivência e Fortalecimento de Vínculos.
Em nota oficial, a Sedes ressalta que o programa presta assistência social para famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade e risco social. “O serviço tem por objetivo estimular a integração e a troca de experiências entre os participantes, valorizando o sentido de vida coletiva”, ressalta o texto. Pessoas de todas as idades podem participar do projeto. Basta procurar um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).

Memória

Assassinada dentro de casa
Em 21 de maio de 2018, Maria Eduarda Rodrigues de Amorim, 5 anos, morreu com um tiro na cabeça, em Ceilândia. Moradora da QNO 18, a menina brincava em casa quando quatro pessoas dentro de um carro passaram atirando contra a residência. Agentes da 24ª Delegacia de Polícia (Setor O) prenderam três adolescentes e um homem envolvidos no homicídio. De acordo com a investigação, um dos irmãos da vítima, de 15 anos, seria o alvo dos criminosos, mas ele não estava em casa no momento dos disparos. O jovem teria participado de um assassinato na QNO 17, dominada por uma gangue rival. Outro irmão da menina, de 19 anos, também foi atingido na perna, mas recebeu atendimento médico e sobreviveu.

Palavra de especialista

“Violência cíclica”
“Na verdade, essas gangues são formadas por jovens não muito estruturados. É importante compreender o contexto territorial e a trajetória desses indivíduos. Geralmente, esses grupos surgem onde o Estado não está presente, em territórios não planejados, com pouca infraestrutura e serviços públicos, como saúde, segurança e educação. Uma pequena parcela de adolescentes nesse contexto é conduzida a um caminho denominado como delinquencial ou criminal.
Esses jovens que apresentam essa trajetória de vida encontram nas gangues uma espécie de apoio e suporte. Eles fazem interação uns com os outros e aprendem técnicas de crimes com os mais velhos. O conjunto de representação social desse grupo conduz o fenômeno da violência. Esses garotos começam praticando pequenos furtos e roubos. Porém o próprio local acaba favorecendo oportunidades de outras modalidades criminais, entre elas o tráfico de drogas.
As gangues mantêm um domínio territorial, às vezes, em uma rua, no quarteirão e até em áreas maiores. Geralmente, os integrantes cometem delitos em locais fora da própria área de moradia, mas vendem drogas no domínio territorial. Eventualmente, esses grupos entram em conflito entre si e ocorrem picos de violência. Como são desorganizados, cometem homicídios por antecipação, supondo que o outro faria a mesma coisa, gerando embates maiores.
Nesse contexto, você tem uma violência cíclica, que tende a diminuir quando o controle do território é retomado. Como a violência é perpetuada nesses lugares, fica ruim para os moradores. Além da criminalidade, a própria economia do lugar é afetada, porque impactam no comércio. Isso só será revertido quando o Estado ou os municípios atuarem diretamente na problemática localizada, que é a família e a escola. É importante pensar que, se melhorar a condição das cidades, o ambiente será mais saudável e sadio.”, Bráulio Figueiredo Alves da Silva, especialista em segurança pública e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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