DF: 26% das tentativas de suicídio por intoxicação são de jovens

Levantamento inédito usou como base dados de moradores do Distrito Federal que atentaram contra a própria vida no período entre 2013 e 2017

 

No Distrito Federal, um quarto (26,6%) das tentativas de suicídio por abuso de substâncias ou remédios são cometidas por pessoas com menos de 20 anos. É o que mostra um recente levantamento que analisou o perfil epidemiológico dos eventos desse tipo atendidos pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológica do Distrito Federal (Ciatox-DF), centro de referência da rede pública para onde são encaminhados casos do tipo.

O trabalho foi feito entre 2013 e 2017 por Caroline Santos Reis, médica da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, como parte das exigências para que ela obtivesse o título de especialista em psiquiatria. Ao todo, a médica analisou 12.616 prontuários clínicos do período e encontrou registros de 1.558 tentativas de suicídio por intoxicação.

Dentro da amostra pesquisada, a maioria das pessoas que tentou tirar a própria vida usou medicamentos (67,5%). Cerca de 90% foram parar em prontos-socorros por conta de ingestão de remédios. O paciente mais jovem tinha 9 anos e o mais velho, 82. Ceilândia (10,8%), São Sebastião (10,6%) e Samambaia (9,3%) lideram o ranking dos locais onde as tentativas foram mais frequentes. As mulheres foram maioria: 71,1% das tentativas foram cometidas por elas contra 28,9%, realizadas por eles.

A faixa etária com maiores ocorrências foi a de 20 a 29 anos (33,9%), seguida do recorte entre 10 e 19 (26,6%) e de 30 a 39 anos (21,17%). Entre as pessoas de 40 a 49, a porcentagem foi de 11,3%. De 50 a 59, o índice foi de 4,2%. Apenas 2,7% dos casos envolveram idosos com 60 anos ou mais.

De acordo com Caroline Santos Reis, autora do trabalho, é a primeira vez que um levantamento tão amplo é feito no DF. Apesar disso, os números podem estar abaixo da situação real. “Trabalhei em emergências de clínicas médicas e vi que o atendimento a casos de tentativas de suicídio era muito alto, mas pouquíssimos eram notificados”, justifica a psiquiatra. Entretanto, desde 2014, a notificação é compulsória, ou seja, as autoridades públicas precisam ser obrigatoriamente avisadas sobre eventos assim mesmo que o atendimento tenha ocorrido em unidades particulares.

Caroline detectou dois problemas sérios nesse contexto: a falta de preparo dos profissionais de saúde para lidar com os casos e a facilidade de acesso a substâncias e medicamentos que deveriam ter a venda rigidamente controlada. “As equipes de saúde não sabiam muito bem o que fazer durante os atendimentos, ainda há muito estigma em relação a esses pacientes”, afirma. Muitos pacientes que chegam ao pronto-socorro com intoxicações autoprovocadas nunca tiveram acesso a um acompanhamento de saúde mental, seja com psicólogo ou psiquiatra.

Mapear a quantidade de tentativas por região do DF foi uma indicação para tornar o acompanhamento em saúde mental mais acessível a quem está precisando. “Sabemos que a tentativa prévia de suicídio é o principal fator de risco para que, da próxima vez, o ato seja consumado. Temos que tomar medidas preventivas e melhorar os serviços de saúde a fim de evitar as situações extremas.”

Diversos projetos da Secretaria de Educação do DF (SEEDF) têm como objetivo discutir a saúde mental infantojuvenil no DF. Em agosto, o projeto Roda de Conversa Temática, voltado para jovens do 8º e 9º anos do ensino fundamental, foi um exemplo. Entre os temas abordados, estavam autoestima, bullying, automutilação e suicídio. No Recanto das Emas, o Centro Educacional (CED) 104 recebeu neste mês ações semelhantes. A ideia foi debater o sofrimento psíquico vivenciado pelos adolescentes.

Adolescência
“Desculpa, amo vocês”. As palavras escritas no quadro branco do quarto de Rachel Rubin, na época com 14 anos, marcaram uma das fases mais difíceis da vida da garota. Após escrever a despedida para os pais, a adolescente aproveitou um momento sozinha em casa e tomou comprimidos para acabar com a própria vida. O episódio aconteceu no dia 4 de setembro de 2017, após três semanas de tratamento com um psicólogo, um psiquiatra e muitos remédios. “Ela me mandou uma mensagem de texto, na verdade só um emoji, aquele mandando beijinho, piscando com um coração na boca. Na hora, meu coração apertou”, lembra Alessandra Rubin, 39 anos, mãe da garota.

Após receber a mensagem da filha, Alessandra ligou para Raquel. A adolescente garantiu que tudo estava bem, mas a mãe não se convenceu. “Aquela mensagem cheirava a despedida”, justifica. Por ser psicóloga, ela sentiu que os sinais não eram bons. Assim que desligou, recebeu uma ligação da psicóloga da filha. “Ela me disse que Raquel queria se matar”, conta.

Raquel foi levada ao hospital pelo pai e ficou internada por duas semanas. Desde então, a garota segue com tratamento psicológico individual e familiar. Ela, que chegou a tomar nove remédios por dia, atualmente não precisa de mais nenhum. “Estou focada no futuro. A tentativa de suicídio faz parte da minha história, mas está superada.”

Hoje, aos 16 anos, Rachel sente-se bem. Voltou a escrever poemas, a ler e a ter aulas de teatro. “O que me ajudou foi lembrar das pequenas coisas boas da minha vida, como a minha família. Tento ficar bem comigo mesma. Quando a pessoa pensa em se matar, é porque já passou por muita coisa. É preciso lembrar que existem outras formas de lidar com os problemas e é sempre possível pedir ajuda.”

A adolescência é uma das fases em que há alta incidência de suicídios, de acordo com a psicóloga Joyce Cassemiro. Até os 23 anos, o cérebro ainda está em formação, o que faz com que a administração de situações estressantes seja mais difícil. “A habilidade em lidar com situações de frustração ainda é algo bastante desafiador, no sentido de elaborar e superar situações”, completa a especialista.

A capacidade de previsão e avaliação de consequências também está em desenvolvimento nos mais jovens. “Soluções devem ser construídas para sanar o problema e não para administrar consequências”, explica Joyce. “É um momento na vida no qual muitas experiências são iniciadas e, por isso, há muita intensidade.” Alterações hormonais também podem exacerbar a maneira de avaliar e sentir determinadas situações, segundo a psicóloga. “É o momento na vida em que eles começam a atuar mais sozinhos, no sentido de escolher, reagir, se relacionar, resolver problemas e construir vínculos próprios”.

Depressão
A depressão é a causa de 800 mil tentativas de suicídio no mundo, de acordo com a ONU. O Brasil é o campeão em casos de depressão na América Latina. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença afeta 5,8% dos brasileiros, ou quase 12 milhões de pessoas. Dois em cada 10 brasilienses acreditam que a depressão é uma fraqueza, segundo o levantamento Na Direção da Vida – Depressão sem Tabu, do Ibope.

Cerca de 22% das 2 mil pessoas ouvidas pela pesquisa acreditam que o tema é tratado como tabu no Brasil, e que a sociedade deveria falar mais abertamente sobre a questão. Ao mesmo tempo, 42% das pessoas afirmam não se sentirem à vontade para falar sobre o assunto no trabalho e/ou escola, caso fossem diagnosticadas com a doença.

De acordo com o psicólogo Otávio Guimarães, quem tenta o suicídio é, em comparação com outras pessoas, mais vulnerável a fracassos e rejeições. “A pessoa tende a ser mais pessimista, de forma geral tem mais dificuldade para resolver problemas familiares, é menos flexível em sua forma de pensar (o que a deixa com poucas opções diante de um problema) e tende a pensar de maneira mais radical: ou tudo ou nada”, detalha.

Otávio frisa que é importante prestar atenção e conversar sobre ideias suicidas. Perguntas como “como são seus pensamentos de morte?”, “quando esses pensamentos se iniciaram?”, “consegue afastar esses pensamentos de alguma forma?”, “encontra razões para continuar vivo?”, “já pensou em uma forma de se matar?”, são algumas sugestões para abordar o tema.

Fatores que predispõem ao suicídio, de acordo com Otávio, são ansiedade, agitação, impulsividade, desespero, tormento psíquico intolerável e incapacidade de visualizar uma saída para os problemas. “É um erro achar que o suicida está totalmente decidido. Muitos, quando recebem apoio emocional e social, acabam desistindo da ideia de se matar”, afirma o psicólogo.

Mas como ajudar? Além de acolher o sofrimento e oferecer suporte, a psicóloga Joyce Cassemiro reforça que é imprescindível procurar profissionais especializados para avaliar o grau de risco. Outras providências importantes são evitar deixar a pessoa sozinha e mantê-la longe de objetos que possam facilitar uma tentativa de suicídio, como facas e medicamentos. “A pessoa não deve ser julgada, mas escutada e acolhida, além de encaminhada ao tratamento. Isso é o que mais ajuda.”

O que não se deve fazer/dizer a uma pessoa que pensa em se matar:

– Fazer cobranças para que ela melhore logo. Isso infantiliza o paciente, como se ele não melhorasse porque estivesse fazendo “birra”. A pessoa deve ser incentivada, com delicadeza, a fazer pequenas coisas, de acordo com a sua capacidade;
– Nunca desistir de ajudar. A família precisa entender que a ideação suicida pode levar um tempo para ser vencida, então a paciência é muito importante. Compreensão e apoio são essenciais;
– Estimular a pessoa a refletir, respeitosamente, sobre seus pensamentos e sentimentos, os quais podem estar sendo influenciados por um quadro depressivo;
– É essencial que vários membros da família e/ou amigos ajudem. A tarefa de ajudar não pode ficar a cargo de apenas uma pessoa;
– Para todo caso de ideação suicida é muito importante buscar ajuda profissional – psicólogo e psiquiatra. Os serviços deles são essenciais para que a pessoa se restabeleça e dê um novo significado à sua própria vida.

(Fonte: Psicólogo Otávio Guimarães)

Metrópoles tem a política de publicar informações sobre casos de suicídio ou tentativas que ocorrem em locais públicos ou causam mobilização social. Isso porque é um tema debatido com muito cuidado pelas pessoas em geral.

Na avaliação do site, o silêncio camufla outro problema: a falta de conhecimento sobre o motivo que, de fato, leva essas pessoas a se matarem.

Depressão, esquizofrenia e uso de drogas ilícitas são os principais males identificados pelos médicos em um potencial suicida. Problemas que poderiam ser tratados e evitados em 90% dos casos, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria.

Está passando por um período difícil? O Centro de Valorização da Vida (CVV) pode te ajudar. A organização atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e Skype 24 horas todos os dias.

anúncios patrocinados
Anunciando...

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.