“Todos os anos, o sindicato negociava um aumento para o nosso salário. Agora, isso não ocorre mais”, conta. Além disso, ela explica que, antes, recebia um valor extra por trabalhar em feriados e fins de semana, o que mudou depois da aprovação da nova lei. “Com a Reforma Trabalhista, tiraram isso da gente. Doeu muito no nosso bolso. Todo mundo reclama até hoje”, lamenta. A maranhense conta que, com o tempo, se acostumou com a jornada de 12 horas seguidas. “Hoje, eu até gosto. Mas acho que os empregados que trabalham à noite são pouco privilegiados”, afirma. “A gente tem direito a um período de repouso de uma hora durante 12 de trabalho. Fora isso, não temos horário de janta”, diz.
“Então, a gente reveza com o colega, engole a comida rapidinho e volta para o serviço.” Francinalda, que fez curso no Instituto Técnico Educacional Pró-Educar, trabalha nessa rotina há mais de 10 anos. Além da atuação no hospital, ela foi cuidadora e técnica de enfermagem em home care. Delmiro Jardim Macedo, 50 anos, trabalha em jornada 12×36 há seis anos. Ele é porteiro em um prédio residencial do Sudoeste, onde fica das 7h às 19h. Antes, trabalhava à noite, também como porteiro, em Águas Claras. O maranhense conta que gosta da rotina. “É bom porque tenho tempo para aproveitar minha família”, diz. “Para mim, é muito tranquilo e prático.” Antes, ele atuava em jornada regular, de oito horas por dia, na área de vendas, mas admite que prefere a modalidade 12×36.
“Depois que minha filha nasceu, eu preferi trabalhar 12 horas direto do que todos os dias porque tenho um dia e meio de folga para ficar com ela.” O porteiro vê a mudança que a Reforma trouxe em relação à jornada de maneira positiva. “No meu ponto de vista, ficou muito mais simples a negociação entre trabalhador e patrão”, opina. “Além disso, se eu vejo que a empresa não está respeitando meus direitos, posso procurar outra que o faça”, completa. “No entanto, tenho colegas que veem essa mudança de forma negativa”, reconhece.
A nova lei trabalhista limita a indenização por danos morais trabalhistas com base no valor do último salário do empregado. As ADIs 5870 e 6050, da Anamatra; 6069, do CFOAB; e 6082, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), questionam a constitucionalidade desse ponto, alegando que fere princípios da Carta Magna, como reparação integral do dano e isonomia. Isto é, igualdade jurídica entre todos os cidadãos. “Não se pode ter um teto no valor que o magistrado define para indenização por dano extrapatrimonial porque a Constituição prevê que as reparações do dano têm de ser as mais integrais e plenas possíveis”, explica a presidente da Anamatra, Noemia Porto.
“A gente defende que é inconstitucional a tarifação do sofrimento alheio, ou seja, você colocar um teto de indenização baseado no salário do trabalhador”, completa. De acordo com Noemia, a Constituição prevê reparação integral proporcional ao dano que a pessoa sofre. Por isso, a mudança é inconstitucional e viola direitos fundamentais. Segundo o presidente da Comissão de Direitos Sociais da OAB, Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, a nova lei “viola o princípio da proteção do trabalho e proibição do retrocesso social”. Ele cita o exemplo da tragédia da Vale em Brumadinho para explicar a questão. “Há casos em que a família está tentando provar que o pai não estava na escala de trabalho, mas que morava lá perto e foi levado pela lama”, diz.
“Isso porque, se levarmos a CLT à risca, a pessoa que morre trabalhando vale até 100 salários do que recebia. Se ela não estiver em horário de expediente, a indenização pode ser maior”, analisa. Ele afirma que “não é possível quantificar a vida, mas a nova lei quantifica, de alguma forma”. Gonçalves relembra que, antes da reforma, o juiz determinava o valor da indenização “levando em conta a possibilidade de a empresa indenizar, a atividade exercida pelo trabalhador, a causa da morte e o impacto para a família”. Além disso, calculava-se o tempo que a pessoa ainda trabalharia e quantos salários receberia para, assim, estipular o dano material, o que permanece até hoje.
Na avaliação do secretário de Educação da CNTI, José Reginaldo Inácio, esse dispositivo da nova Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) impõe desigualdade na concepção do valor da vida humana. “A vida de um trabalhador que, porventura, recebe R$ 1 mil é totalmente inferiorizada em relação à vida daquele que recebe R$ 10 mil”, exemplifica. “A legislação torna ainda mais vulnerável a condição humana, pois desrespeita a dignidade do ser humano até no momento da morte”, opina. Para ele, a nova norma afeta diretamente os trabalhadores da indústria, visto que estão sujeitos a acidentes no ambiente laboral constantemente.
Ministro do STF comenta a reforma
A ADI 5994, que trata do estabelecimento de jornada 12×36, sem a presença de entidade de classe nas negociações, está sob relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, do STF. Questionado sobre a temática, ele explicou que ainda não a apreciou. “Não posso falar sobre o tema”, esclarece. O ministro acredita que os pontos da Reforma Trabalhista questionados em outras ações diretas de inconstitucionalidade já avaliadas por ele não continham ilegalidade. “Eu falo sobre o que eu já julguei até aqui. Eu entendo que o que é atacado nas ADIs já apreciadas não tem conflito com a Constituição. É o que eu tenho sustentado no plenário”, afirma. Em geral, Marco Aurélio Mello é favorável à nova lei trabalhista. “A reforma como um todo eu entendo como muito positiva, tanto que houve uma diminuição substancial das ações trabalhistas nos tribunais”, diz. Na época em que tramitou no Congresso Nacional, a revisão da CLT se embasava em argumentos, como a promessa de geração de empregos. No entanto, atualmente, o cenário nacional continua sendo de forte desemprego.
Para Marco Aurélio, não é possível atribuir o problema à reforma. “Aí depende da retomada do desenvolvimento. É muito difícil, para uma sociedade, proporcionar empregos, considerado o aumento da população que nós tivemos. Foi um crescimento vertiginoso. Em 1970, éramos 90 milhões de brasileiros — esse era o chavão da Copa do Mundo. Hoje, somos 210 milhões”, compara. “Qual é a sociedade que viabiliza o surgimento de empregos necessários a acolher essa mão de obra? Nenhuma.” O ministro avalia que a nova legislação favorece a condição dos patrões, que devem passar a ter de se preocupar menos com ações trabalhistas infundadas. “A Reforma Trabalhista, de certa forma, tirou da cabeça dos empregadores uma verdadeira espada de Dâmocles que havia. E refirmo-me, principalmente, ao fato de antes não se ter, por exemplo, condenação em honorários advocatícios do reclamante. Então, se ajuizava uma ação jogando barro na parede para ver se colava… Sem receio da sucumbência, da condenação em honorários…”
Questionado sobre a segurança jurídica do texto, Marco Aurélio tem visão, a princípio, positiva. “De início, se presume que a reforma tenha sido harmônica com a Constituição, com os ditames constitucionais. Nós estamos avançando — até mesmo para tornar o Brasil competitivo no cenário internacional —, precisamos avançar e tem a palavra o Congresso, que é quem realmente cria o direito”, pontua. Assim, o fato de a reforma ser questionada por entidades de classe e outras instituições não significa que haja insegurança jurídica. “A categoria profissional, principalmente mediante associações e sindicatos, ela estará sempre pleiteando mais para os trabalhadores. Mas já temos aí a Constituição Federal que assegura inúmeros direitos aos tribunais.”
Entenda a expressão
Dâmocles é personagem de uma anedota que representa a insegurança dos que estão no poder, pela chance de esse poder ser tomado e pelos riscos envolvidos. A parábola começa com Dionísio II, rei de Siracusa, que fez muitos inimigos e tinha medo de ser assassinado. Vendo o quanto Dâmocles, um cortesão, o invejava, o rei ofereceu que ele tomasse o lugar dele por um dia. Porém ordenou que uma espada fosse presa ao teto por um fio de rabo de cavalo sob o trono. Dionísio II explicou que um rei tem todos os luxos, mas tem também uma espada permanentemente apontada para sua cabeça.
Contribuição sindical facultativa
As ADIs que questionavam o fim da contribuição sindical obrigatória — 5797, 5810, 5811, 5813, 5815, 5794, 5850, 5865, 5885, 5887, 5892, 5859, 5900, 5912, 5913, 5923 e 5945 — foram julgadas improcedentes pelo STF em 29 de junho. Antes, todos os trabalhadores eram obrigados a contribuir, anualmente, com um dia de trabalho para o sindicato da categoria. Após a decisão, passou a contribuir quem quer. Para Claudia Securato e Danilo Pieri Pereira, a decisão do STF de manter a contribuição facultativa também é assertiva.
“Tudo que você é obrigado a pagar eu acho muito complicado. Acredito que, agora, o sindicato vai precisar se engajar mais, trabalhar mais, arrumar outras formas de ajudar o trabalhador”, afirma Claudia. “A decisão do STF vai no sentido de que não existe violação da Constituição nessa mudança legislativa. Não há garantia de que deva haver alguma contribuição compulsória para fomento da atividade sindical”, explica Danilo. “É interessante porque você passa a fomentar que o sindicato tenha efetivamente uma participação na vida do trabalhador para que ele se sinta à vontade para fazer a contribuição”, opina.
Jornada 12×36
Antes da nova Lei Trabalhista, a jornada 12×36 — que consiste em 12 horas de trabalho seguidas por 36 de descanso — era permitida por meio de acordo coletivo entre empregador, empregado e sindicato da categoria. Agora, essa modalidade, que é muito comum nos setores de saúde e segurança, pode ser acertada em acordo individual escrito entre funcionário e patrão, sem participação da entidade sindical. Por meio da ADI 5994, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) questiona a constitucionalidade da mudança. “A modalidade 12×36 é basicamente uma jornada noturna que foi adotada por acordo entre os hospitais e os sindicatos e, normalmente, se inicia às 19h e termina às 7h da manhã do dia seguinte”, explica o secretário-geral da CNTS, Valdirlei Castagna.
“Ela é de interesse dos trabalhadores porque evita que eles circulem nas grandes cidades de madrugada”, completa. De acordo com Castagna, a CNTS é a favor da jornada 12×36, mas defende que ela seja adotada por meio de acordos coletivos. “O que nós estamos confrontando é o fato de que a reforma permitiu que a jornada de 12×36 seja praticada nos hospitais sem sequer ouvir os sindicatos”, diz. “Quando se fazia os acordos coletivos, eram discutidas questões como a garantia do intervalo mínimo, local adequado para repouso e alimentação dos trabalhadores, já que eles trabalham por 12 horas consecutivas.”
Gratuidade de Justiça
A reforma incluiu os honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho. Isso significa que quem perder a ação trabalhista terá de pagar entre 5% e 15% do valor da sentença para os advogados da parte vencedora. Isso vale, inclusive, para os beneficiários da justiça gratuita. A Procuradoria-geral da República (PGR) questiona a nova regra por meio da ADI 5766. De acordo com a PGR, o novo dispositivo da CLT fere a Carta Magna “por impor restrições inconstitucionais à garantia de gratuidade judiciária aos que comprovem insuficiência de recursos, na Justiça do Trabalho”.
Valor do pedido na reclamação trabalhista
Por meio da ADI 6002, o CFOAB questiona a exigência de que o valor de cada um dos pedidos conste na reclamação trabalhista. Desde a reforma, o trabalhador que pede horas extras, por exemplo, precisa determinar o valor exato que deve receber. “Antes, o empregado apresentava provas de que fazia horas extras e o juiz determinava quanto era devido. Hoje, ao levar a ação para a Justiça, o trabalhador precisa liquidar e determinar os valores certinhos”, explica Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, presidente da comissão de direitos sociais da OAB.
De acordo com a entidade, a mudança dificulta o acesso do trabalhador à Justiça. Isso porque, muitas vezes, ele não alcança a esses dados. “Às vezes, o funcionário precisa apurar alguns valores que são estipulados somente a partir de prova e ele não tem como, no momento de levar a ação à Justiça, ter todos esses valores, como indenizações e horas extras”, afirma o presidente da comissão.
Rescisões contratuais sem os sindicatos