Uso indevido de canais oficiais de comunicação pode influenciar eleições

O tema é espinhoso por ainda ser confuso e não estar respaldado nem pelo Marco Civil da Internet nem pela Constituição

Embora a Constituição Federal impeça o uso de canais oficiais de comunicação para fins particulares e perseguição política, a utilização indevida de sites e redes sociais vinculados à estrutura governamental pode influenciar as eleições municipais de 2020.
Para juristas, a discussão cria a necessidade de se produzir normas e até novas leis. O tema é espinhoso por ainda ser confuso e não estar respaldado nem pelo Marco Civil da Internet nem pela Constituição. Entretanto, é consenso que dinheiro público no lugar errado e canais sustentados com recursos do contribuinte servindo para fins de uso pessoal ferem o artigo nº 37 da Constituição. Há casos de governadores e prefeitos processados pelo uso indevido das redes.
Para o juiz Pedro Yung Tay, que integrou a Coordenação de Organização e Fiscalização de Propaganda Eleitoral (Cofpe) do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) nas últimas eleições, o Judiciário pode ser chamado para diminuir a controvérsia em torno do tema. “Uma regra precisa ser construída, mas, a princípio, a hipótese de utilização de recursos públicos para promoção pessoal dissociada com serviços públicos deveria ser coibida.” Trata-se do prefeito, por exemplo, que usa redes sociais em benefício próprio, fazendo a autopromoção de seu nome nos veículos de comunicação sustentados por dinheiro público.
“Quando houve o incremento das redes sociais, surgiu essa confusão no entendimento sobre o que é particular e o que é promoção de governo. A sociedade precisa estabelecer uma maneira mais clara para que as pessoas possam assimilar os limites”, complementa Yung Tay. Segundo ele, a utilização de recursos públicos para promoção social deveria ser coibida. Mas quando aporte de serviço público ou verba para divulgação de temas relacionados ao serviço público, como uma pauta positiva de atuação governamental, “é necessário ter cautela e aprofundamento. Olhar com certa reserva e analisar de modo mais restrito”.

Limite

Diretor da Bites, empresa de análise de dados, Manuel Fernandes considera impossível comparar o modelo digital ao analógico, porque ainda “não há nada regulando isso”. É vedado, por exemplo, que um prefeito use dinheiro público para colocar um outdoor com sua fotografia na rua da cidade. Porém, não há proibição legal se o mesmo prefeito publicar mensagens no Twitter e, depois, retuitar o conteúdo no perfil do município. “A grande questão é entender onde termina esse limite. Temos um antagonismo: um prefeito pode não usar a comunicação da prefeitura mas acabar impulsionando, mediante pagamento, as mensagens sobre aquela região em seu perfil pessoal. Daria no mesmo.”
Fernandes acredita que a legislação ainda perde para a tecnologia. “A lei está quase sempre um passo atrás dos novos mecanismos de comunicação. Existe uma linha muito tênue que ainda precisa ser desenvolvida. Como julgar um candidato em 2020 se, em 2019, não há nada que defina o que ele pode fazer enquanto mandatário de um município?”, questiona. O tema reabre uma discussão antiga: o da liberdade de expressão. “O perfil pessoal do gestor pode ser recheado com o que ele achar relevante. Impedindo isso, é censura. Mas concordo que, em se tratando de perfis oficiais, neste momento, deveria prevalecer o padrão da legislação analógica”, acrescenta.
O deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) solicitou abertura de inquérito criminal contra Marcelo Crivella, prefeito do Rio que, segundo ele, está utilizando canais oficiais de comunicação para fins particulares. “O prefeito Marcelo Crivella tem usado, sistematicamente, os canais oficiais de comunicação da prefeitura para fazer acusações irresponsáveis e levianas contra um adversário político, durante o exercício das funções públicas, o que caracteriza campanha eleitoral antecipada. Essa prática é vedada conforme o artigo nº 37 da Constituição Federal, que impede a utilização dos canais oficiais de comunicação para fins particulares e para prática de atos de perseguição política. Além de ser proibido utilizar o site e as redes sociais de um órgão público para isso, ainda estão reproduzindo reportagens na empresa da família do prefeito”, explica Pedro Paulo. O deputado pede que o prefeito pague R$ 20 mil por cada “mídia ilegal” usada em detrimento do Diário Oficial do Rio de Janeiro.
Para o especialista em marketing político-digital Marcelo Vitorino, há confusão nas prefeituras, quando os prefeitos procuram saber o que é permitido. Alguns procuradores são condescendentes e dizem que não há problema usar redes sociais do governo para divulgar o prefeito. “Para o município, do qual o procurador é agente de defesa, não há problema. Quem terá prejuízo é o prefeito, que pode acabar impedido de concorrer às eleições em 2020”, diz.
Em lugares como o Reino Unido, há blogs para o cargo de primeiro-ministro. Nos Estados Unidos de Barack Obama, havia o perfil @potus (president of the United States). No Brasil, o presidente Michel Temer foi processado por ter usado sua imagem para promover a reforma da Previdência. Jair Bolsonaro mantém uma equipe de servidores do Planalto para alimentar perfil privado nas redes. Procurada, a Presidência da República não comentou.
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