Crime da 113 Sul completa 10 anos e assassino diz: “Virei bicho”

O caso permanece com mais dúvidas do que respostas. Condenado pelo crime, Leonardo Campos quebrou o silêncio e falou ao JORNAL Metrópoles.

 

Vinte e oito de agosto de 2009 é um dia que não acabou. A data marca um dos crimes mais bárbaros da história de Brasília: o triplo assassinato na 113 Sul. À época, uma cidade em choque acompanhou os desdobramentos da história que expôs fragilidades nas investigações, julgamentos cinematográficos e três condenados pela execução do ministro aposentado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela, da mulher dele, a advogada Maria Villela, e da funcionária da casa, Francisca Nascimento Silva.

Uma década depois, o caso permanece com mais dúvidas do que respostas. Sentenciado a 60 anos de prisão, o ex-porteiro do prédio dos Villela quebrou o silêncio e, pela primeira vez, falou com um veículo de comunicação sobre o seu relacionamento com a família Villela.

Leonardo Campos Alves, 53 anos, é apontado como o responsável por receber dinheiro da filha do casal, Adriana Villela, para simular um assalto e esfaquear os pais dela e a empregada. A arquiteta é a única dos quatro denunciados pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) que ainda não foi julgada. Se a defesa não conseguir reverter o entendimento, Adriana será levada a júri popular no próximo dia 28 de setembro.

Em entrevista exclusiva ao JORNAL Metrópoles, Leonardo contou ter presenciado ao menos duas brigas de Adriana Villela com os pais, disse que a arquiteta chegou a destruir o interior de um apartamento dado por José Villela porque não teria gostado da decoração, e jurou ter entrado no suntuoso imóvel situado no Bloco C de uma das quadras mais nobres do Plano Piloto apenas três vezes: “Para levar uma banheira, para ajudar a subir com compras e para levar um móvel”, disse.

Embora o MPDFT e a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) tenham apresentado Leonardo como um dos responsáveis por articular o assassinato a facadas – foram 73 no total –, ele alegou inocência.

Cumprindo pena na Penitenciária do Distrito Federal II (PDF II), no Complexo Penitenciário da Papuda, o ex-porteiro declarou ter confessado participação na barbárie mediante torturas física e emocional. Ao falar de Adriana, demonstrou incômodo e sugeriu que ela tivesse relação com o triplo assassinato.

“Todo mundo sabia que ela nunca trabalhou na vida e ia lá [no apartamento dos pais] só para buscar dinheiro. Ela sempre saía muito irritada, reclamando e batendo a porta com força. Tinha uma péssima relação com os pais. Pelo que eu via, é possível que ela tenha feito algo assim [arquitetado um plano para matá-los], mas não tive nada a ver com isso”, esquivou-se.

Segundo Leonardo, um dos episódios mais marcantes que mostrariam o destempero de Adriana foi o dia em que ela teria ficado irritada com a reforma de um apartamento dado pelos pais, próximo à residência dos Villela, e depredado o imóvel. “Ela não gostou do serviço e saiu quebrando tudo. Chegou a virar uma geladeira, de raiva”, relatou.

Yanka Romão/Metrópoles

Posição dos corpos

Em dois depoimentos distintos, Leonardo Campos Alves confessou ser um dos autores do crime. Em um deles, datado de 2010, inclusive, deu detalhes da posição e vestimentas dos corpos. Dez anos depois, disse ter prestado tais informações à antiga Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida) porque estava “cansado de ser surrado”.

“Quando me buscaram em Montalvânia [MG], me colocaram no carro e me deram um murro que quebrou três dentes. Ficavam me colocando em um saco para eu não respirar e me acordavam jogando água dentro do meu nariz. Até então, eu resistia, pois não queria assumir algo que não fiz. Mas os policiais sequestraram minha filha e fizeram ela me ligar chorando. Pegaram meu ponto fraco. Por imaginar que ela poderia estar passando pelo mesmo que eu, decidi falar tudo o que eles queriam.”

Montalvânia é um pequeno município mineiro distante 682 quilômetros de Brasília. Foi lá que o ex-porteiro acabou detido sob acusação de ter tirado a vida dos Villela e de Francisca. Na versão do MPDFT – a qual acabou confirmada pelos jurados que o condenaram –, após o triplo homicídio, ele se refugiou na cidade.

Segundo consta em processo de mais de 16 mil páginas, como era conhecido de funcionários e moradores do edifício, Leonardo convidou o sobrinho Paulo Cardoso Santana e Francisco Mairlon para subirem ao apartamento. Os dois teriam encontrado a porta aberta e rendido Francisca.

O ex-ministro teria chegado ao apartamento por volta das 19h20, encontrado Francisca amarrada na sala e também foi imobilizado. De acordo com as investigações, cerca de 30 minutos depois, Maria Villela entrou no imóvel e recebeu 12 facadas desferidas por Francisco e o comparsa, segundo aponta o MP.

Na sequência, a dupla desferiu 38 golpes em José Vilella e 23 em Francisca. Os corpos só foram encontrados três dias depois, pela neta do casal Carolina Villela, que estranhou a ausência de notícias dos avós.

Bilhete com ameaças

Com repercussão nacional, o crime da 113 Sul tornou o rosto de Leonardo Campos Alves conhecido. Na cadeia, garantiu nunca ter sido agredido fisicamente, mas um episódio o fez ficar no “seguro” – cela destinada a detentos que correm risco – por seis anos.

Durante um banho de sol, um presidiário deixou um bilhete ao lado dele. O texto, conforme relato de Leonardo, trazia a seguinte frase: “Sua morte aqui deve valer uns R$ 100 mil pra quem está lá fora”. O ex-porteiro disse ter mostrado a ameaça para o antigo advogado, que o orientou a rasgar o papel. A Polícia Civil, ao tomar conhecimento do fato, teria tentado remontar o material por meio de perícia, mas não obteve sucesso.

Policiais denunciados

Embora mantenha o entendimento de que Leonardo Campos Alves seja um dos autores do triplo homicídio, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios concordou que sua confissão foi obtida mediante tortura.

Em 17 de julho de 2013, nove policiais civis, um PM e um ex-agente da PCDF foram denunciados por abuso de autoridade, tortura e supressão de documentos na prisão de Leonardo, ocorrida quase três meses após o crime da 113 Sul.

Entre os fatos narrados ao MPDFT, Leonardo disse ter tomado banho recebendo jatos de mangueira e ficado um dia e meio dentro de uma viatura sem acesso a banheiro e água. Além disso, teria sido surrado por agentes e forçado a colocar a cabeça dentro de um saco plástico que o sufocava. Ele ainda teria ficado com a audição do ouvido direito prejudicada após um agente disparar um tiro paro alto com a arma encostada em sua orelha.

“Virei um bicho”

Na cadeia há quase uma década, Leonardo não costuma receber visitas de parentes. Embora tenha sete filhos, o único familiar que tinha o hábito de visitá-lo era um dos irmãos – “Mas ele parou de vir depois de sofrer um infarto”.

Ele não calcula em quanto tempo conseguirá progressão para o regime semiaberto, mas confessa ter medo da reação das pessoas ao verem-no em liberdade. “Eu virei um bicho para o povo, um monstro. Sei que a vida de um ex-detento não é fácil, ainda mais sendo um caso de tanta repercussão. Vou me virar como posso.”

Yanka Romão/Metrópoles

“O mais complexo da minha carreira”, diz juiz

Coube a um jovem magistrado do Tribunal do Júri de Brasília conduzir a presidência do enigmático processo do crime da 113 Sul. Atualmente à frente da Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios (Amagis-DF), Fábio Francisco Esteves narrou ao Jornal Metrópoles as dificuldades de lidar com um caso marcado por reviravoltas e falhas nas investigações.

“Nesse processo aconteceram casos com que não tive nenhuma experiência nesses 12 anos de magistratura, como a presença de uma vidente que participa de algum momento das investigações. Isso foi uma situação muito peculiar, estranha e diferente”, contou o juiz.

JP Rodrigues/Metrópoles
Fábio Francisco Esteves contou as dificuldades de lidar com um caso marcado por reviravoltas e falhas nas investigações

Ele se refere à paranormal Rosa Maria Jaques, chamada pela então delegada-chefe da 1ª DP (Asa Sul), Martha Vargas, para ajudar na elucidação do triplo assassinato. A vidente contou ter visto uma foto de José Guilherme num jornal e que o morto piscou para ela, indicando os responsáveis pela tragédia.

Com auxílio da líder espiritual, a delegada aposentada prendeu três suspeitos em Vicente Pires e apontou como prova principal uma chave do apartamento dos Villela que estaria em posse do trio. Para obter a confissão de Alex Peterson Soares, Rami Jalau Kalout e Cláudio Brandão, Martha e parte de sua equipe teriam torturado os três.

No entanto, dias depois, laudo do Instituto de Criminalística (IC) revelou que a chave apreendida era exatamente a mesma recolhida pela própria Polícia Civil na cena do triplo homicídio. Diante da denúncia em relação à prova plantada, Martha pediu afastamento da investigação, e o caso passou a ser conduzido pela Corvida.

Por tais trapalhadas e erros, em 19 de julho de 2018, o Governo do Distrito Federal (GDF) cassou a aposentadoria de R$ 16 mil de Martha. A decisão foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ela foi condenada, em segunda instância, a 16 anos de prisão por ter plantado provas a fim de incriminar três homens sem relação com o triplo homicídio. Só conseguiu direito à prisão domiciliar por ter apresentado à Justiça atestado de que é a única tutora de um irmão considerado incapaz.

Advogada que conduz a defesa contra a cassação do benefício previdenciário, Arlete Pelicano detalhou como pensa Martha. “Segundo relato próprio, ela acha que o caso teria que ser investigado com mais profundidade”, resumiu.

Para o juiz Esteves, contudo, “Quando encontramos elementos que não são cientificamente aceitáveis e que não partem de uma racionalidade adequada para poder se construir caminhos de investigação criminal, torna-se algo preocupante”. “Se aquilo prosseguisse, talvez pessoas inocentes pudessem estar condenadas hoje”, completou o magistrado, ao justificar por que determinou a mudança no comando das investigações à época.

Por questões éticas, Fábio Esteves evita falar da situação de Adriana Villela, que chegou a ficar presa duas vezes por determinação dele. No entanto, embora não esteja mais à frente do processo do crime da 113 Sul, ele admite acompanhar o caso pela imprensa.

“Como para a minha carreira foi um processo bastante acentuado, acabo acompanhando. Levei 15 dias construindo a sentença, dia e noite me esforçando para contemplar todas as informações do processo e para que não ficasse nenhuma informação de fora que pudesse comprometer o meu convencimento à época quanto à pronúncia dos réus.”

Meditação, cachoeiras e trabalhos artesanais: a vida de Adriana Villela 10 anos após o crime da 113 Sul

Apontada como mandante do crime, Adriana Villela aguarda julgamento em liberdade. A arquiteta recebia uma mesada de R$ 8 mil, mas considerava pouco, o que motivava discussões acaloradas com os pais.

Adriana é suspeita de ter contratado Leonardo para matar os pais por R$ 60 mil. Ele, por sua vez, teria prometido dar R$ 10 mil a Francisco para executar o crime.

Há quase nove anos ela mora no Leblon, no Rio de Janeiro, em um apartamento dos pais. A herança deixada pelos Villela, estimada em mais de R$ 40 milhões, foi dividida entre ela e um irmão.

Enquanto não é levada a júri popular, marcado para ocorrer no próximo dia 28 de setembro, Adriana se define como alternativa. Nas redes sociais, costuma publicar fotos meditando em montes, pintando quadros, curtindo em cachoeiras ou produzindo utensílios com materiais recicláveis. No Facebook, apresenta-se como proprietária de uma marca chamada Atelier de Arquitetura e Reciclagem Verde Garrafa.

Apesar de passar pouco tempo em Brasília, optou por não vender uma mansão no Lago Sul que fica praticamente o ano todo fechada. Em Brasília, ela conta com a defesa de um dos criminalistas mais prestigiados do país, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Embora não conceda entrevistas, contratou uma empresa de assessoria de imprensa.

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