Artigo: a lei a favor do crime?

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava-Jato, responde a processo administrativo, apresentado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, no Conselho Nacional do Ministério Público, por ter dito, em entrevista, que algumas decisões de ministros do STF passam mensagem de leniência a favor da corrupção. Essa sensação não é apenas de Dallagnol. É um sentimento que já foi publicamente expressado por multidões em manifestações nas ruas do país. É verdade que a Corte não pode decidir com base na pressão popular. Mas não deve, igualmente, agarrar-se a certas interpretações da lei que tornam impossível a punição a criminosos e, em consequência disso, causam danos perversos à sociedade.
Desde o início da Lava-Jato, operação de combate à corrupção da qual Dallagnol é o coordenador, existe imenso desconforto das grandes bancas advocatícias que atuam na defesa de criminosos do colarinho-branco. Em geral, políticos e empresários que sempre gozaram de impunidade no país. A punição a esses larápios começou no julgamento do mensalão. Mas tomou grandes proporções com a Lava-Jato, da qual o então juiz Sérgio Moro se tornou a principal referência, com reconhecimento nacional e internacional. A força-tarefa acabou com a farra dos que roubavam bilhões dos cofres públicos e nunca pagavam pelo crime.
No STF, há ministros — hoje seriam maioria — que veem no inciso LVII do artigo 5º da Constituição uma garantia de que nenhum condenado pode ser preso sem autorização do Supremo. Ninguém precisa de “notório saber jurídico” para perceber que se trata de uma interpretação descabida. Basta saber ler. Veja o que diz o inciso: “Ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da ação penal condenatória”. Ora, quem julga ação penal de réus sem foro privilegiado são a primeira e a segunda instâncias. Esgotados os recursos no segundo grau de jurisdição, e é assim em praticamente todo o mundo civilizado, inicia-se o cumprimento da pena. Depois disso, o que há são recursos extraordinários ao STJ e ao STF, que apenas julgam se a lei foi aplicada corretamente.
Observem, no artigo 5º, que o inciso LVII não fala de prisão. Sabe por quê? Porque o assunto é tratado em outro inciso, o LXI, que dispõe: “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada do juiz, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. Ou seja: mais uma vez, ninguém precisa de erudição jurídica para entender: o que a Constituição, de fato, estabelece é que o juiz, desde que haja fundamento, pode decretar a prisão em qualquer instância. E era assim que funcionava no Brasil: cada juiz decidia se era o caso de um réu ir pra prisão. O STF mudou o entendimento, pela primeira vez, em 2009, livrando da cadeia um rico fazendeiro que deu cinco tiros num suposto amante da mulher. Em 2014, após o então ministro Teori Zavaski demonstrar o absurdo da impunidade eterna, o STF, por 7 x 4, retomou a jurisprudência da prisão em segunda instância. Desde a prisão de Lula, tenta-se derrubar a prisão após o segundo grau de jurisdição. Agora, com a Lava-Jato sob ataque, é maior o risco de retrocesso, para a alegria de grandes bancas de advocacia e dos ladrões de colarinho-branco.
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