Estimulação cerebral ajudar a reduzir apetite, mas depende do gene certo

A modulação transcraniana é uma das abordagens consideradas mais promissoras como alternativa a tratamentos que não tiveram sucesso na redução da fome

 

Na luta contra a obesidade, considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) um dos maiores problemas de saúde pública do globo, pesquisadores buscam novas estratégias, além das medicamentosas e cirúrgicas. Uma delas é não invasiva e, em diversos estudos conduzidos na Europa e nos Estados Unidos, tem demonstrado potencial para controle do apetite. Ainda em fase de aprovação no Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora americana, para esses fins, a modulação transcraniana (tDCS, na sigla em inglês) é uma das abordagens consideradas mais promissoras como alternativa a tratamentos que não tiveram sucesso na redução da fome e, consequentemente, do peso dos pacientes.
“A maior surpresa do estudo foi esse paradoxo, que pode responder por que algumas pessoas são beneficiadas e outras não. É possível que, para tratar a obesidade, seja preciso considerar também a genética”, explica Priscila Giacomo Fassini, principal autora do artigo, publicado na revista Appetite e conduzida no pós-doutorado da pesquisadora, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).
Ela lembra que, justamente pela influência da genética nos resultados, foi importante realizar o estudo — o primeiro do tipo — na população brasileira.
O ensaio clínico foi feito com 38 mulheres de 20 a 40 anos e índice de massa corporal (IMC) entre 30 e 35, considerado obesidade grau 1. “Dadas as diferenças de gênero identificadas nas respostas neurais aos sinais de alimento (food cues), optamos por limitar esse estudo às mulheres”, justifica Priscila Giacomo Fassini. Food cues são sinais que podem influenciar as escolhas alimentares, incluindo a sensação de fome, o cheiro de um alimento ou ver pessoas comendo, por exemplo. “Além disso, as taxas de obesidade no Brasil são de 22,9% nas mulheres versus 17,2% nos homens”, completa.

Não invasiva

As voluntárias foram divididas em dois grupos, sendo que nem elas nem os pesquisadores sabiam quem estava, de fato, recebendo tratamento e quem ficou no placebo. Elas passaram por 17 sessões, de meia hora cada uma, de tDCS durante um mês. Por seis meses, foram acompanhadas pela equipe — um diferencial, de acordo com Fassini, pois estudos do tipo não costumam avaliar os participantes durante tanto tempo. A tDCS é uma técnica não invasiva e bem estudada, aplicada principalmente em pacientes com depressão (no Brasil, é o único transtorno para o qual a prática clínica tem autorização da Anvisa). Porém, diversos estudos investigam o potencial da tecnologia, que não tem efeitos colaterais, para outras condições que envolvam a modulação dos neurônios.
Na pesquisa brasileira, as redes neuronais moduladas pela técnica ficam no córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo. “A atividade aumentada nessa região é associada a respostas comportamentais direcionadas à escolha de alimentos saudáveis, à supressão da fome, à redução do apetite e do desejo por comida. Contrariamente, a atividade prejudicada pode facilitar o desenvolvimento e a manutenção de comportamentos alimentares prejudiciais por meio da sensibilidade aumentada a sinais de alimentos”, diz o artigo.
As sessões de tDCS consistem no posicionamento de dois eletrodos no couro cabeludo do paciente. O cátodo e o ânodo são conectados a um equipamento portátil que gera corrente galvânica, incapaz de causar danos ao cérebro, mas suficiente para alterar a atividade elétrica do circuito neuronal alvo. No estudo da USP, a corrente foi de 2 milamperes nos pacientes do grupo de tratamento. Já nos inseridos no grupo placebo, a corrente era não ativa.

Genoma

Testes realizados pela equipe mediram, ao longo do estudo, os padrões de fome e consumo alimentar das voluntárias. Em parceria com a Universidade de Harvard, os pesquisadores da USP sequenciaram o genoma das participantes, que tiveram amostras de sangue retiradas na primeira fase. Priscila Giacomo Fassini explica que já se sabia que a variação de um determinado gene pode influenciar a degradação da dopamina no córtex pré-frontal. Por isso, os cientistas decidiram verificar a presença dessa variante, a Valina158metionina ou Val158Met, no genoma das voluntárias.
Os resultados do estudo mostraram que mulheres portadoras da variante foram as que mais tiveram redução de fome após receber as sessões de neuromodulação. Ao contrário, aquelas sem o alelo Met do gene demonstraram mais fome e vontade de comer. Os pesquisadores ainda não sabem exatamente o motivo pelo qual isso ocorre, algo que será investigado em novos estudos, assim como o efeito da neuromodulação sobre o peso corporal das participantes.
Para a autora principal, porém, uma coisa o estudo já apontou: a genética tem um importante papel na resposta a tratamentos contra obesidade e deve ser levada em consideração. “Mais uma vez, vemos que existe uma grande individualidade das respostas aos tratamentos para obesidade, assim como para várias outras doenças e para tipos de dieta”, concorda o pesquisador e endocrinologista Flávio A. Cadegiani, que não participou desse estudo (Leia artigo ao lado).
“Há um grande interesse em novas técnicas para tratamento de transtornos alimentares, já que nossas abordagens padrão para tratá-las não funcionam tão bem como gostaríamos”, observa Peter Hall, autor de um estudo de revisão de pesquisas que usaram tDCS ou estimulação magnética (também não invasiva e que tem o hipotálamo como alvo) para tentar reduzir a fome de pacientes com obesidades ou restabelecer a vontade de comer naqueles com anorexia nervosa. Para ele, nenhuma dessas técnicas, porém, deverá ser usada sozinha ou em qualquer tipo de pessoa. Hall observa que “podem ser muito úteis quando usadas muito estrategicamente”.
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