Aos 59 anos, Brasília abriga prédios que já podem ser chamados de clássicos

Edifícios erguidos e inaugurados antes mesmo de a capital existir completam 60 anos em 2019 e marcam a história

 

O ano era 1959. No avião desenhado por Lucio Costa, o que se via era um grande canteiro de obras. Cobertos com a terra vermelha e castigados com o tempo seco do cerrado, milhares de trabalhadores corriam contra o tempo para tornar o sonho realidade. Em meio à expectativa de se cumprir a promessa dos “50 anos em cinco”, edificações foram inauguradas antes mesmo de o quadradinho do Centro-Oeste se tornar oficialmente a capital federal.

Considerado o primeiro prédio residencial de Brasília, o Bloco D da 106 Sul virou um sessentão este mês. A construção do edifício teve como base a força bruta. Para furar os pilotis, por exemplo, os operários utilizavam as mãos. A atividade deu a eles o apelido de “tatus”. Outra dificuldade era a compra dos materiais de construção, que só podiam ser adquiridos em Anápolis (GO).

O esforço valeu a pena e resultou em um bloco com características únicas, sem perder a simplicidade. Algumas calçadas apresentam a logomarca do Palácio da Alvorada. Assim como os outros 10 prédios da quadra, têm os tradicionais cobogós, que ajudam na ventilação e entrada de luminosidade nos apartamentos.

Síndica do bloco há 16 anos, a professora aposentada Suely De Roure, 72 anos, cuida de todo o edifício como faz com a própria casa. “Tenho orgulho de ser síndica do primeiro bloco do Plano Piloto. É um tratamento especial que tenho de dar. A nação que não tem memória é uma nação morta, e cabe a mim a responsabilidade de recuperar essa história”, afirma Suely, que considera o lugar o melhor do mundo. “Aqui é muito tranquilo. O único barulho que escuto é o cantar dos pássaros e o balançar das árvores.”

Ao lado da síndica, a irmã dela, Franci De Roure, 70, e os pais estiveram presentes na festa de inauguração, que teve direito a churrasco e às presenças do então presidente Juscelino Kubitschek e do então bispo auxiliar do Rio de Janeiro, Dom Hélder Câmara. “As pessoas tocavam tambores em um ritmo bem alegre. Todos estavam se divertindo em meio àquela poeira toda”, conta Franci.

Antes de se mudar para a 106 Sul, a família De Roure morou três anos na Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante, onde estava concentrada a maior parte da população de mais de 60 mil pessoas que habitavam Brasília desde 1957. À época, o comércio local era isento de impostos. Hotéis, pensões, bancos, padarias e postos de gasolina já funcionavam.

Na W3 Sul, também foi construído um dos conjuntos residenciais mais antigos de Brasília. Em 1959, já havia mais 500 unidades da Fundação da Casa Popular. As simples edificações acolhiam exclusivamente funcionários da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). As quadras 700 recebiam, naquele ano, os cinco primeiros funcionários públicos da União, que se mudaram por meio de ato de JK, em 2 de fevereiro de 1959, mesma data que marcou a criação de sete paróquias no Plano Piloto.

Primeira catedral

Quando a Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida ainda era apenas o esqueleto de 16 colunas curvilíneas, simulando mãos erguidas em oração, a capital federal tinha como principal igreja da diocese a Paróquia Santo Antônio, já que a Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, que já existia desde 1957, não comportava toda a comunidade. A igreja franciscana também era a única das sete paróquias criadas em 1959 que tinha de fato uma edificação física — funcionava onde hoje é o salão de eventos paroquiais. Somente deixou de ser a base religiosa católica de Brasília mais de uma década depois, quando passou o bastão para a Catedral Metropolitana.

Quando Juscelino decidiu transferir a capital federal para o centro do país, um grupo de frades franciscanos veio para as terras demarcadas ajudar na implementação da igreja. Nesses 60 anos, a congregação franciscana focou sua atuação em questões educacionais e de caridade aos mais necessitados no DF. “Queremos continuar nossa missão em servir, acolher com fraternidade e atender às necessidades dos fiéis, essas mesmas pessoas que ajudaram e continuam ajudando na construção da nossa comunidade”, conta o pároco da igreja, Frei Carlos Antônio da Silva.

A servidora pública aposentada Perpétua Socorro Avance, 82 anos, é uma das primeiras paroquianas vivas. Foi na Igreja Santo Antônio onde ela se tornou irmã da congregação franciscana e atua como ministra da Eucaristia, além de ser membro do coral. Ao longo da trajetória, acompanhou toda a construção do prédio onde, hoje, são celebradas as missas. “Vi tudo ganhando forma, desde a pedra filosofal até hoje. Cheguei a pensar: será que um dia eu vou cantar na nova igreja? E, com a graça de Deus, nem a igreja nem a voz estão em falta. É muito gratificante fazer parte dessa história”, comemora.

Esplanada

Diferentemente do monumento símbolo da fé cristã, que só seria oficialmente inaugurado em 31 de maio de 1970, na área central, quatro dos 11 edifícios-sede de ministérios estavam completamente erguidos meses antes da inauguração de Brasília, assim como o atual prédio do Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto.

No entanto, segundo o historiador e coordenador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/DF) Thiago Perpétuo, ainda faltava muito para que o núcleo dos três Poderes tomasse forma. “Boa parte dos edifícios da Esplanada dos Ministérios estava apenas com as estruturas metálicas erguidas, e mesmo os palácios presidenciais careciam de finalização. Mesmo sem uma ocupação garantida e vindas de todos os cantos do país, diversas famílias chegavam a Brasília em busca de melhores condições.”

Foi também em 1959 que o Iphan realizou o tombamento do Catetinho, a primeira residência oficial do presidente da República em Brasília, construída em 1956. “Carinhosamente conhecido como o Palácio de Tábuas, por ser feito todo em madeira, o Catetinho recebeu esse nome em alusão ao Palácio do Catete, no Rio de Janeiro”, explica Thiago Perpétuo.

Pelas terras vermelhas que se encontravam com os 377km de ruas pavimentadas, milhares de brasileiros chegavam à terra prometida, buscando traçar a própria história. Vidas novas na cidade nem mesmo inaugurada, mas que já tinha o primeiro patrimônio tombado. Em 1959, Brasília já mostrava a complexidade em que nasceria. Um símbolo de esperança e resistência capaz de reunir cada ponta do país.

 

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